Virunga Filme

Virunga

Em Virunga, o britânico Orlando von Einsiedel realiza um documentário que, além de ténica e artisticamente bem feito, pode receber o mais importante adjetivo com que um documentário pode ser Virunga Postercaracterizado: essencial. No Congo, um país cuja população vive há décadas em estado de guerra, Einsiedel nos apresenta a um parque nacional que é o lar de alguns dos últimos gorilas da montanha existentes, onde os cuidadores, além de tomar conta dos animais, precisam impedir a invasão dos que enxergam no local apenas uma fonte de riquezas minerais.

Alvo dos colonizadores graças a suas riquezas naturais, o Congo finalmente declarou sua independência em 1960. Três décadas depois, a guerra civil tomou conta do país – as primeiras eleições democráticas, para as quais o povo formou longas filas na busca do exercício deste direito essencial, aconteceram apenas em 2006. A corrupção, a pobreza, a fome, a falta de água e a ameaça da guerra continuam empermeadas no país. Recentemente, um novo inimigo surgiu: a SOCO, uma empresa britânica de petróleo, de olho no recém descoberto petróleo abaixo do Lago Edward. A empresa rapidamente conquistou o apoio do grupo rebelde congolês M23.

Para contar sua história, o documentarista utiliza como narradores, principalmente, Rodriegue Katembo, um ex-soldado infantil que lidera o grupo de cuidadores e rangers do parque, e a jornalista francesa Melanie Gouby. Uma parte do Lago Edward encontra-se dentro do Virunga, e é tarefa de Katembo assegurar que a SOCO mantenha longe dela. Gouby busca documentar o outro lado do conflito e, para isso, esconde sua identidade de jornalista e participa de diversas conversas (que ela grava com uma câmera oculta) entre funcionários da SOCO.

A montagem, realizada a oito mãos por Katie Bryer, Masahiro Hirakubo, Miikka Leskinen e Peta Ridley, faz um trabalho magistral em retratar a complexidade da situação enfrentada pelos congolenses. Enquanto a população encara a possibilidade de ser evacuada de suas casas a qualquer momento e com a comida e a água sempre escassas, os gorilas do Parque Nacional de Virunga recebem um cuidado que muitos pais não têm condições de oferecer a seus filhos. Mas, assistindo às diversas sequências envolvendo os animais que Einsiedel inclui em sua obra, é impossível não compreendermos o amor que os cuidadores do parque sentem por aquelas criaturas tão semelhantes aos seres humanos: durante um passeio tranquilo, um dos gorilas desce das costas de seu cuidador apenas para dar um abraço nele; após grunhirem um para o outro, dois gorilas trocam carinhos; e, principalmente, o terror nos olhos dos animais que buscam a proteção dos humanos ao escutarem o som das bombas sendo lançadas pelo M23.

Afinal, como os funcionários do Virunga declaram diversas vezes, é importante cuidar dos gorilas do parque não apenas para salvar a espécie da extinção – mas, também, porque os primatas são o que mantém o local uma área protegida pela UNESCO e, portanto, tornam ilegal a exploração da região. Como a câmera de Einsiedel ilustra diversas vezes através de planos abertos, a natureza do Congo é magnífica e, contrastada com o caos e a miséria das regiões onde a população vive, é praticamente um “último refúgio” da liberdade do país. Ali, o Congo é como poderia ser sempre, não fosse desolado pela violência. Ali, os congolenses podem oferecer algo para os animais que precisam de seus cuidados. Ali, quem cresceu com a guerra e viu inúmeros familiares e amigos mortos, como soldados ou como “casualidades da guerra”, pode ter um descanso – breve – daquilo. Tomando conta do parque e das criaturas que ali vivem, os funcionários do Virunga podem viver suas vidas se dedicando a uma missão bondosa e importante, sabendo que fizeram algo de bom por seu país.

Virunga Crítica

Mas… e as pessoas? Mantendo o foco nos gorilas, cujas expressões de terror ou docilidade vemos diversas vezes, Einsiedel desafia o próprio espectador: no parque, a ameaça da destruição daquela beleza é desesperadora; fora dali, a batalha parece perdida. A situação, claro, não é tão facilmente definida – mas aquele não deixa de ser um modo de vida muito, muito distante do que o que conhecemos, o que só reforça a importância de documentários como Virunga: para que reconheçamos e enxerguemos aquelas pessoas como semelhantes, como pessoas que pensam, sentem e desejam da mesma forma que qualquer outra pessoa, em qualquer outro lugar – algo que muitos turistas ou celebridades que realizam trabalhos ou visitas “na África” (como se os muitos países do enorme continente africano formassem uma massa homogênea) não percebem, enxergando o povo local como “Outro”, fadado ao papel de vítima e à necessidade da generosidade do primeiro mundo.

A diferença nos discursos de um dos funcionários da SOCO, incapaz de perceber o que leva um ser humano a dedicar sua vida a cuidar de algo, sem esperar nada em troca (“É um macaco. Quem dá a mínima para um macaco?”, pergunta-se ele, convencido de que os funcionários do Virunga escondem, por trás de sua preocupação ambiental, a mesma avareza que permeia a empresa), e de Katembo (“Tudo isso pode acontecer comigo. Estou preparado. Não sou especial.”), disposto a tudo para proteger o parque e a dar a vida pelo que acredita, são outro ponto importante do documentário. Einsiedel foi inteligente ao integrar Gouby a seu filme – a jovem jornalista oferece informações a que o documentarista provavelmente não teria acesso e, claro, concretiza a importância de oferecer os diversos lados de uma história, deixando as ações de cada um falarem por si mesmas, não cabendo aos realizadores vilanizar ou glorificar.

Praticar o bem ou deixar a ganância falar mais alto são decisões racionais que tomamos dia a dia – algo que os funcionários do parque parecem entender com clareza, tomando diariamente a decisão de dedicar suas vidas a tomar conta de um dos últimos lugares do Congo não tomados por forças externas. Isso, é claro, não impede a tragédia retratada no terceiro ato: afinal, boas intenções não são escudo.

Virunga é, então, uma obra essencial e inesquecível, centrada na coragem e na bravura diárias de seus personagens, pessoas que escolheram mudar suas vidas ao cuidar do magnífico parque nacional que abriga uma espécie ameaçada de extinção: um retrato de pessoas em uma situação desprivilegiada, que escolheram dedicar suas vidas a tentar melhorar a vida de seu país – e suas próprias vidas. Que escolheram não deixar a violência destruir tudo e que não desistiram de desejar e de lutar por um Congo pacífico.


“Virunga(Reino Unido/Congo, 2014), escrito e dirigido por Orlando von Einsiedel.


Trailer – Virunga

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