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Real: O Plano Por Trás da História | Falha em sua pretensões e desperdiça um momento histórico interessante


[dropcap size=small]Real: O Plano Por Trás da História acompanha um período turbulento da economia brasileira, e isso poderia até render um longa envolvente e complexo. Entretanto, mesmo que o diretor Rodrigo Bittencourt acredite ser o Quentin Tarantino com um roteiro de Aaron Sorkin nas mãos, o resultado é uma produção tão detestável quanto seus personagens e tão desgastante quanto os péssimos diálogos intermináveis a que somos sujeitados ao longo da projeção.

Para desenhar o contexto em que o filme se inicia, acompanhamos imagens de arquivo e frases em off mostrando que, no início da década de 90, o atual plano econômico do então presidente Fernando Collor era um fracasso e, consequentemente, o Brasil estava prestes a quebrar. A inflação não para, as poupanças são confiscadas, o povo perde o poder de compra. Após o impeachment de Collor, seu sucessor, Itamar Franco (Benvindo Siqueira), está determinado a desenvolver um novo plano para colocar o país de volta no eixo. Para tanto, ele nomeia Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo) como Ministro da Fazenda e organiza uma equipe formada por nomes de destaque da economia: Pedro Malan (Tato Gabus Mendes), Edmar Bacha (Giulio Lopes), Pérsio Arida (Guilherme Weber), Clovis Carvalho (Carlos Meceni), Winston Fritsch (Fernando Eiras) e nosso protagonista, Gustavo Franco (Emilio Orciollo Neto).

Conhecemos Gustavo na primeira cena de fato de Real, logo após a introdução expositiva. Acompanhado da esposa, Renata (Paolla Oliveira), Gustavo discute com um casal de amigos a situação política e econômica do país. Com cada um de um lado da questão, a conversa logo se torna uma briga. Além de definir as ideias ¿controversas¿ (leia-se… coxinhas) do protagonista, a cena também exemplifica o que acompanharemos durante o restante do filme: um bando de pessoas insuportáveis gritando umas com as outras através de frases que obviamente tentam ser de efeito, mas que apenas se revelam repetitivas, nada inspiradas e até mesmo tolas.

Pois a verdade é que Rodrigo Bittencourt acredita estar narrando a jornada de um Steve Jobs ou Mark Zuckerberg ou, para manter as referências dentro do cinema brasileiro, de um Capitão Nascimento: um anti-herói repleto de defeitos, mas carismático, envolvente e que adoramos acompanhar. Mas Gustavo não é nada disso; ele não passa de um cara mimado, egoísta e arrogante, cuja suposta genialidade o roteiro de Mikael de Albuquerque (baseado no livro 3000 dias no bunker: Um plano na cabeça e um país na mão, de Guilherme Fiuza) não nos deixa conhecer.

Outro grave problema é a falta de fluidez da montagem de Lucas Gonzaga. Ele não traz dinamismo e energia alguma ao filme e, assim, Bittencourt jamais consegue alcançar suas óbvias pretensões de que Real seja uma obra eletrizante e envolvente. Assim, apesar de se desenrolar ao longo de décadas e de retratar situações complexas e com consequências fortes, é difícil ter a sensação de que o tempo está passando e os personagens, se desenvolvendo. Dessa forma, dependemos das legendas indicando as datas para conseguirmos nos situar no tempo. Isso se torna particularmente incômodo em uma cena de reunião que começa com um personagem imediatamente declarando que o grupo já está ali há seis horas. Entretanto, a cena anterior não tem conexão alguma com a tal reunião, e nem mesmo os diálogos ou atuações do encontro nos dão a sensação de que todo esse tempo já passou.

E Real: O Plano Por Trás da História é basicamente isso: uma sequência de momentos que se acham importantes e ousados, mas que apenas se mostram mal feitos e entediantes. Bittencourt busca trazer um pouco de humanidade a Gustavo através da relação deste com a esposa, mas a caracterização de Renata é tão rasa que ela se torna apenas uma ferramenta do roteiro para motivar (ou desmotivar) o marido, sem jamais se estabelecer como indivíduo e completamente desperdiçando a carismática Paolla Oliveira. Como acontece tão tipicamente no cinema, ela é retratada como a esposa que é um obstáculo para a carreira e a liberdade do homem ¿ Gustavo chega a declarar que ela o atrapalha.

Real Crítica

Da mesma forma, Denise (Mariana Lima), que atua como braço direito de Gustavo quando ele entra para a equipe do Banco Central, tem apenas um momento de real destaque. De qualquer maneira, apesar de ser atrapalhado pelo roteiro, Emilio Orciollo Neto se mostra um ator talentoso, sendo capaz de trazer naturalidade para os arroubos de raiva e diálogos mal escritos que Gustavo dispara quase que ininterruptamente. O restante do elenco fica relegado a personagens que dependem apenas de seus nomes para funcionar, pois não apresentam traços que verdadeiramente os distingam uns dos outros.

Embalado por uma trilha sonora original cuja energia não é refletida no filme, Real traz um plano do time de economistas, todos de terno, caminhando em direção à câmera, obviamente remetendo a Cães de Aluguel. Há também diversos momentos em que personagens conversam enquanto caminham, ou seja, o ¿walk and talk¿ tão típico de Aaron Sorkin. Mas a verdade é que a câmera comandada por Bittencourt se limita a repetir movimentos, como a panorâmica que passa de um personagem para outro durante a cena da CPI, e jamais traz personalidade própria para a produção ou mesmo desenvolve uma linguagem coesa.

Real também adora mencionar ¿a inquietude e insatisfação do povo¿, o quanto ¿o povo não vai aceitar¿ tal coisa e etc. etc. etc. … mas jamais temos alguma real noção de como a população está reagindo a qualquer coisa. Em uma cena particularmente patética, um grupo de manifestantes em frente ao Banco Central muda o foco de seu protesto mediante algumas meras palavras de Gustavo. Há uma grave falta de contextualização aqui. Bittencourt acredita estar sendo crítico, inteligente e relevante, mas não há vontade alguma de realmente analisar algo.

Assim, Real: O Plano Por Trás da História falha em todas as suas pretensões, pois não serve como retrato complexo e envolvente de um anti-herói, como uma obra criativa em seu uso da linguagem cinematográfica, como discussão ou mesmo como registro de um período histórico que poderia soar fortemente atual.


¿Real: O Plano Por Trás da História¿ (Brasil, 2017), escrito por Mikael de Albuquerque a partir do livro de Guilherme Fiuza, dirigido por Rodrigo Bittencourt, com Emilio Orciollo Neto, Paolla Oliveira, Benvindo Siqueira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes, Giulio Lopes, Guilherme Weber, Carlos Meceni, Fernando Eiras e Mariana Lima.


Trailer – Real – O Plano por Trás da História

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