Castelo de Vidro

O Castelo de Vidro | Perde a oportunidade de ser relevante


O Castelo de Vidro tem nas mãos uma história pesada vivida por personagens complexos, capazes de momentos de ternura em meio ao ambiente miserável e abusivo em que se encontram. Entretanto, o longa prefere adotar uma abordagem excessivamente otimista, fazendo com que sua mensagem torne-se bagunçada e, em muitos momentos, até mesmo perigosa.

Dirigido por Destin Daniel Cretton e escrito por ele ao lado de Andrew Lanham, O Castelo de Vidro é baseado no livro homônimo de Jeanette Walls (vivida aqui por Brie Larson), em que a jornalista narra sua complicada vida ao lado dos pais, das duas irmãs e do irmão. O pai, Rex Walls (Woody Harrelson), é um alcoólatra perpetuamente desempregado e que, por isso, leva a família de um canto a outro na tentativa de abrigá-los temporariamente em imóveis desocupados. Já a mãe, Rose Mary (Naomi Watts), é uma artista inconsequente e egoísta que, certa vez, estava tão distraída com a pintura de um quadro que não percebeu que, bem na sua frente, a pequena Jeanette havia se queimado gravemente enquanto cozinhava algumas salsichas.

Conhecemos a infância de Jeanette por meio de flashbacks; atualmente, ela é uma mulher bem-sucedida e elegante que trabalha como colunista social em Nova York. Enquanto isso, seus pais moram em um prédio abandonado e perambulam pelas ruas da cidade em busca de comida. Eles insistem que estão bem assim e que Jeanette encontra-se aprisionada por sua estabilidade financeira e pelo noivo “careta”, o consultor financeiro David (Max Greenfield). Em jantares de negócios, Jeanette inventa vidas fascinantes e respeitáveis para seus pais.

Pouco acontece de fato nas cenas ambientadas no presente: Jeanette e David discutem sobre a família dela; os irmãos trocam lembranças da infância; Rex e Rose Mary defendem seu “estilo de vida” e ocasionamente perdem perdão por tudo o que causaram. A essência da trama encontra-se na infância de Jeanette — ou, pelo menos, é ali que deveria estar. Sem pisar em uma escola ao longo da maior parte de suas vidas, as crianças frequentemente passam fome e são constantemente negligenciadas, abusadas e colocadas em diversas situações de perigo, seja quando a família tira Jeanette do hospital antes de ela terminar de ser tratada por sua queimadura ou quando Rex deixa os filhos sozinhos na casa de sua mãe, uma figura igualmente abusiva.

Rex insiste que “o único jeito de aprender é vivendo” e, pelo jeito, essas lições envolvem encher as crianças de pavor, ansiedade e isolamento. Mas ocasionalmente vemos a família Walls trocando risadas e momentos de genuína (?) ternura — e são esses os sentimentos que Cretton deseja arrancar dos espectadores. Para tanto, ele investe em uma direção bastante tradicional, limitando-se a mostrar as belas paisagens percorridas pelos Walls ou, vez ou outra, um primeiro-plano para realçar um momento particularmente “intenso” (entre aspas, porque ele nunca realmente chega lá) de um ator. A fotografia de Brett Pawlak, por sua vez, investe em tons dourados que iluminam a tela quase que ininterruptamente, algo que jamais é justificado pelo que presenciamos.

Castelo de Vidro Crítica

Pois o problema de O Castelo de Vidro é não reconhecer a escuridão, o desespero e a crueldade presentes em sua essência. Depois de acompanharmos décadas de uma vida tão sofrida que cada um dos jovens parte para bem longe na primeira oportunidade, Cretton nos pede para reconhecer que, no fundo, Rex e Rose Mary sempre amaram seus filhos e que, portanto, eles merecem nosso carinho. O castelo de vidro que dá título ao filme é um projeto que Rex, obviamente, jamais concretiza; trata-se do lar tão sonhado pelas crianças e que ele continua prometendo para elas que vai construir assim que achar o lugar perfeito. A ideia até chega a sair brevemente do papel mas, é claro, logo é abandonada. Cretton parece comprar essa ilusão, sem perceber que o castelo de vidro de Rex já nasceu aos pedaços. E é isso que falta à obra — a coragem de destruir de vez o castelo de vidro.

De certa forma, é bizarro perceber o quanto a caracterização dos personagens e o próprio trabalho dos atores parece ter sido desenvolvido com isso em mente sem alcançar o restante do filme. Harrelson surge intenso e perigoso em seu descontrole e, até mesmo nos raros momentos de ternura com Jeanette, sempre parece prestes a perder o pouco de estabilidade que lhe resta. Por sua vez, Watts acerta ao viver Rose Mary como uma mulher que simplesmente segue a deixa do marido, apenas raramente tomando alguma decisão por si só — o que, no contexto dessa família, faz dela uma mulher egoísta e irresponsável, além de quase tão vítima do abuso de Rex quanto as crianças. Por falar nelas, os atores mirins que vivem os quatro pequenos Walls em diferentes fases de suas vidas mostram-se homogeneamente excelentes, conseguindo causar fortes impressões a partir de um olhar ou de uma hesitação ao dizer algo.

Mas quem deveria ser o coração do filme é Brie Larson, uma atriz extremamente talentosa que, aqui, parece não ter a liberdade para dar a Jeanette a intensidade que ela demonstra somente em um ou outro momento. Isso é resultado também da falta de interesse que o filme parece demonstrar pela Jeanette adulta — depois que ela vai embora de casa e parte para Nova York, a reencontramos brevemente na universidade e, depois, ela já está estabelecida. Ela chega a declarar que entrou na faculdade decidida a contar histórias que realmente importam e que, portanto, é um tanto frustrante ter terminado como colunista social. Mas então, o que a levou até ali? Como Jeanette se adaptou a sua nova realidade? Como o abuso que ela sofreu ao longo de toda a sua vida impactou seu relacionamento com David (o conflito entre o casal, aqui, é raso e reduzido basicamente às diferenças de valores dos dois)?

Em certo momento, Rex diz ficar satisfeito em perceber que a filha não é como ele, ao que ela responde: “Eu sou como você sim, e fico feliz por isso.” O que seria o reconhecimento de um ciclo inescapável de abuso é, para Cretton, um terno momento de compreensão entre pai e filha. O Castelo de Vidro não está interessado em fazer perguntas difíceis e, consequentemente, decide encerrar de uma maneira fácil e otimista que nada do que vimos até então justificaria. Com isso, a obra joga fora toda a complexidade que, apenas ocasionalmente, demonstra possuir.


“The Glass Castle” (EUA, 2017), escrito por Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham a partir do livro de Jeanette Walls, dirigido por Destin Daniel Cretton, com Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Ella Anderson, Chandler Head, Max Greenfield, Josh Caras, Charlie Shotwell, Iain Armitage, Sarah Snook, Sadie Sink, Olivia Kate Rice, Brigette Lundy-Paine, Shree Crooks, Eden Grace Redfield, Robin Bartlett e Joe Pingue.


Trailer – Castelo de Vidro

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1 Comentário. Deixe novo

  • Muito bom filme. Obrigado pela boa informação que você compartilha. Eu acho muito bom! Eu faz pouco vi outros [Nota do editor: LINK CENSURADO… se for do interesse, estamos abertos para qualquer tipo de compensação monetária em troca da divulgação do link] filmes com Naomi Watts que eu gostei. Um deles é Refém do Medo. Eu li e parece um bom filme. Espero que seja bom como o Castelo de Vidro, porque acho que é um dos melhores filmes que ela fez, tem uma boa história, atuações maravilhosas e um bom roteiro. Realmente vale a pena todo o trabalho que a produção fez, cada detalhe faz que seja um grande filme. A verdade se converteu em um dos meus preferidos. Eu recomendo a todos.

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