Cinefilia Crônica | Espaço de Cinema (2006 – 2019), um obituário


[dropcap]O[/dropcap] Espaço de Cinema do shopping Miramar, em Santos, foi o lugar que mais frequentei assistindo a filmes sozinho. Quando mais novo, tinha receio de me sentir um fracassado sem companhia em frente à telona. A maturidade me apresentou a um dos programas favoritos para não perder estreias.

Fazia parte da minha rotina, nos últimos três anos, buscar a programação alternativa exibida nas pequenas salas. Pequenas, mas aconchegantes. Sem as gritarias dos carentes, empolgados com a megalomania das maiores bilheterias.

No Espaço de Cinema, assisti incontáveis filmes brasileiros esquecidos pelas grandes redes. Fã do argentino Ricardo Darín, sabia para onde ir a cada nova produção protagonizada por ele.

Produções europeias eram anfitriãs do local. Uma vez, encontrei um amigo que olhou estranho quando mostrei meu ingresso para ver um documentário sobre esses anos estranhos da política brasileira. Ele foi embora e tive receio de estar com o rosto sujo ou desodorante vencido, mas era só um incômodo por não ir ao cinema que todo mundo vai.

Eu ignorava as lojas de roupas para jovens, a gigante varejista com chocolates em promoção, a praça de alimentação pouco lotada, os tatuados vendendo óculos escuros e relógios da moda. Via da escada rolante os poucos conhecidos se encaminhando ao cantinho do Espaço de Cinema.

Nem precisaria ter comprado os ingressos com antecedência, mas sou prevenido além da conta.

Não me recordo de filmes de super-heróis por lá. E as opções dubladas eram raridade. Se nem sempre conseguia pronunciar os títulos originais ali exibidos, garanto que pouquíssimos rimavam com blockbuster.

As pessoas conhecidas que encontrava por lá não se impressionam tanto explosões ou piadas bobas nas telonas. Conheço gente que desconhecia o Espaço de Cinema. Conheço gente que jamais entraria no Espaço de Cinema.

Ao ler o anúncio do encerramento de suas atividades marcado para hoje, encontrei por acaso um parente distante no obituário do jornal. É a perda de alguém muito querido, com quem vivi muitas histórias e visitava sempre que possível.

Nunca mais escolher as cadeiras do fundo, tampouco cruzar olhares com essa gente tão interessada em filmes que não interessavam à maioria. Uns saíam de lá andando rápido, tinham medo de ser flagrados como quem sai do motel. Outros encaravam por bons minutos os cartazes. Deveriam ficar impressionados as opções além do cinema comercial.

Uma perda irreparável. E nem adianta culpar o ano trágico. Qualquer cidade, sistema econômico, ser humano ou planeta que não lamenta o fechamento do Espaço de Cinema não merece durar muito.

Hoje saio tarde do trabalho, sem a oportunidade de assistir às últimas sessões: o israelense Não Mexa Com Ela e o franco-senegalês Jornada da Vida, ambos iniciados às 21h.

É provável que eu chorasse compulsivamente ao ver o caixão descendo. 12 anos, morreu tão jovem. A vontade de ir ao cinema deve diminuir, os streamings e sites ortodoxos riem dessa tragédia.

Descanse em paz, Espaço de Cinema. Nós não podemos descansar diante da mesmice nas salas, nas telonas. No cotidiano.

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