Vivarium | Enigmáticamente vazio


É impossível não se incomodar nem um pouquinho com Vivarium. E por mais que essa ficção científica pouco otimista não consiga segurar o interesse por toda sua duração, existe algo ali para ser apreciado e até discutido.

A ideia maluca é dos roteiristas Locan Finnegan e Garret Shanley, o primeiro ainda dirige o filme. Nele, um jovem casal (Jesse Eisenberg e Imogem Poots) está à procura de uma casa para morar, isso os leva a visitar o Yonder, um perturbador condomínio suburbano com casinhas verdes e ruas que parecem não ter fim. Mas quando os dois percebem, estão presos nesse lugar.

Até aí tudo parece um filme de terror maluco, mas o surgimento de um bebê na frente da casa, que rapidamente cresce e se torna um menino esquisito, começa a dar dicas que estamos encarando um sci-fi.

Mas antes de tudo isso, a sequência de abertura observa a estratégia parasitária do cuco-canoro, uma espécie de pássaro parasita que deposita seus ovos nos ninhos de outras aves e faz com que elas criem seu filhote até ele se tornar independente e ir embora. A dica óbvia do rumo do filme está nesse pequeno momento, mas talvez Vivarium tente ser um pouco mais do que isso, e é nesse momento que derrapa.

Existe pouca profundidade no roteiro da dupla Finnegan e Shanley enquanto acompanha o crescimento desse menino incomum, com uma voz inusitada e reações excêntricas, mas nunca tenta entender a complexidade do casal de protagonistas. O caminho de ambos segue o da loucura, mas o fazem de modo óbvio e sem as camadas que a situação traria. A ideia de serem pais dessa criatura quase nunca os move, quando o faz não fica tempo suficiente discutindo o assunto e logo volta para uma espécie de insanidade teatral.

Mas Vivarium é enigmático, não dá as respostas como exposição, mas sim como construção lenta desse mistério. O espectador joga então esse jogo com interesse, criando teorias e juntando as impressões, é muito provavelmente isso que salvará o filme para grande parte de seu público. Já o resto do pessoal ficará irritado com a trama meio paradona, rodando em um mesmo lugar, valorizando esse clima de pesadelo, mas nunca desenvolvendo o significado de estar naquela situação, da complexidade de criar esse cuco como se fosse seu filho.

A atitude agressiva dos dois com a criança até é interessante por um tempo, mas logo ela se transforma e o espectador não vê essa mudança, apenas o resultado, o que enfraquece os protagonistas e faz com que eles soem apáticos quando convenientes para a história, assim como ativos quando ela pede. Esperar isso de um rouxinol ou de um pisco é uma coisa, mas dos dois seres humanos é outra.

Sobre eles (os personagens, não os pássaros), Imogem Poots se esforça para criar essa personagem complexa, mas só paira pelo filme como uma névoa sem energia, enquanto Jesse Eisenberg, mesmo sem fazer nada demais, acerta mais no tom e até consegue fugir da repetição de alguns de seus personagens e não cria um cara meio nerd cheio de trejeitos e com dificuldade social. Talvez ele acabe sendo até o maior retrato desse crescimento incompreensível de Vivarium, já que, mesmo passando por um arco bem específico, nunca parece entender suas mudanças de atitudes, já que parece ter apenas uma única motivação.

Vivarium ainda poderia ter uma crítica social em seus meandros, do como essa classe média parece perder a personalidade, das complicações de criar uma criança ou até dos problemas e imposições do mercado imobiliário. Poderia, mas não faz, só observa essas nuvens sem forma enquanto aposta todas suas fichas na estranheza de sua trama e na boa vontade de seus espectadores para desvendar esse enigma.


“Vivarium” (UK/EUA/Den/Bel/Irl, 2019); escrito por Garet Shanley e Lorcan Finnegan; dirigido por Lorcan Finnegan; com Imogen Poots, Jesse Eisenberg, Senan Jennings e Eanna Hardwicke


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