Uma Vida Longa e Feliz

Mesmo nascendo diretamente da imaginação de um escritor ou cineasta, os personagens, assim que saem da mente de seus criadores se transformam em uma pessoa com sentimentos (pelo é o que muita gente acredita). E sim, maltratá-los como o Uma Vida Longa e Feliz Posterdiretor russo Boris Khlebnikov faz em Uma Vida Longa e Feliz é puro sadismo.

Nele, um fazendeiro de algum vilarejo afastado de tudo tem a oportunidade de sair das terras onde explora uma plantação de batatas diante de uma compensação do comprador. E ainda que em um primeiro momento ele acabe indo contra o negócio, em seguida aceita a oportunidade de ganhar esse bom dinheiro, pagar ele e seus funcionários e ai, quem sabe, ir viver a tal vida longa e feliz com sua namorada bem longe dali.

Uma situação relativamente fácil e simples, uma premissa honesta e que poderia até se desenrolar em um drama ou uma comédia de situação bem humorada e simpática, mas seus funcionários resolvem aspirar uma veia socialista xiita e recusam a proposta, fazendo então com que Sacha (o tal fazendeiro) jogue uma pá de cal sobre todo acordo que já tinha fechado. Pior ainda, ficando, em um primeiro momento, com uma espécie de revolução em mãos, uma resistência que fala até em pegar em armas e guardar a fazenda.

E ai entra esse sadismo do diretor (que esteticamente ainda faz um ótimo trabalho, moderno e ritmado), já que até esse momento faz de tudo para criar esse herói altruísta e dedicado, que acorda no meio da noite para salvar a vila de um incêndio, aparentemente só pensa no próximo, está profundamente apaixonado e sonha com um futuro mais impecável ainda, mesmo que humilde. É impossível não se aproximar de Sacha e ter o mesmo sentimento de satisfação deles quando percebe que ao defender seus trabalhadores ganha um reconhecimento que o faz passar na frente nas filas sob olhos orgulhosos. Mas tudo vai pelo buraco.

Uma Vida Longa e Feliz Filme

Nesse momento seria impossível discutir o filme sem estragar uma ou outra surpresa, e diante do tamanho pequeno do filme, talvez a única coisa a se saber é que Sacha se dá mal, muito mal. Mal o suficiente para tornar Uma Vida Longa e Feliz um filme surpreendente, porém amargurado, triste e que não deixa ninguém acaba-lo imune a sua resolução.

Entretanto, esse final carregado só é possível graças a um roteiro que constrói muito bem essa situação e a faz se tornar inevitável e facilmente compreensível, mesmo diante da personalidade do protagonista parecendo, durante todo resto do tempo, fugir tanto disso. Uma solução que não condiz com aquele primeiro momento do personagem, mas se encaixa extremamente bem diante do vórtice caótico que aos poucos vai tragando-o. Com uma encruzilhada em que ele pega o caminho errado e quando o espectador perceber isso, já vai ter sido tarde demais para voltar.

Ainda assim, mesmo se tratando de uma história tremendamente regionalizada, ela permite bem que tal premissa possa ser não só universalmente compreendida como se encaixar em diversas situações em culturas de qualquer lugar do mundo. Um filme triste, justamente por parecer real demais.


“Dolgaya Schastlivaya Zhizn” (Rus, 2013), escrito por Aleksandr Rodionov, Boris Khlebnikov, dirigido por Boris Khlebnikov, com Aleksandr Yatsenko, Anna Kotova, Vladimir Korobeynikov, Sergey Nasedkin e Evgeniy Sytyy.


Essa crítica é parte da cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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