Sofia | As pessoas conseguem se acostumar com tudo


[dropcap]E[/dropcap]m certo momento de Sofia, um personagem afirma que “As pessoas conseguem se acostumar com tudo”. Se você não parou pelo menos por alguns minutos para refletir sobre isso após ter assistido, pense de novo. O personagem tem razão.

Esse é daqueles filmes que brinca com nossas percepções de certo e errado. Ele vai fazer alguém que está predisposto a atacar culturas machistas a ter algumas boas surpresas em sua reviravolta final. Mas mais do que isso, vai nos fazer pensar em vários aspectos do que permeia nossa noção de moral e costumes, incluindo a questão das oportunidades na vida. Porém, principalmente, vai nos fazer rever a ideias que nós temos sobre o que é uma vítima.

E, acredite, no final você irá pensar se existe de fato alguma vítima, ou tudo são oportunidades para melhorar de vida.

O filme segue um tom intimista no seu começo, apresentando uma família durante o almoço que acaba revelando duas coisas: este também é um almoço de negócios (uma oportunidade para essa família humilde melhorar de vida) e que a jovem Sofia estourou sua bolsa ao acabar de descobrir que está grávida (um empecilho, como qualquer um que conhece as culturas do Oriente Médio sabe muito bem).

Esse roteiro já seria ótimo como uma peça de teatro, mas sendo cinema nada substitui a câmera na mão, os zooms exagerados nos rostos dos personagens e a captura do momento exato daquela expressão do personagem que fala por mil palavras. E considerando o fundo de pano étnico e a falta de atores competentes com essa, etnia nada como refazer a mesma cena mil vezes para acertar o tom. Mais um ponto a favor do cinema e da diretora Meryem Benm’Barek-Aloïsi em seu segundo longa e exibindo um controle invejável de mise-en-scene.

É Meryem também que nos coloca em tensão constante ao nunca nos revelar detalhes que serviriam para nos acalmar, como o estado emocional do pai e da mãe. Vemos tudo sob os olhos da prima, a mais bem-intencionada da família e que portanto levará o maior tombo no final.

Outro ponto a favor de Sofia é nunca dar mais detalhes da história de vida dos personagens. Com isso a situação pelo qual eles passam se torna universal e fica mais fácil nos identificarmos (além de obviamente tomar um dos lados na discussão que ocupa quase todo o filme).

Como resultado, Sofia é consistente com sua ideia, eficiente ao transmiti-la e termina por machucar um pouquinho sua fé na humanidade (se é que lhe resta alguma).

Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


“Sofia” (Fra/Cat/Bel, 2018), escrito e dirigido por Meryem Benm’Barek-Aloïsi, com Maha Alemi, Lubna Azabal, Sarah Perles.


Trailer do Filme – Sofia

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