Reza a Lenda Filme

Reza a Lenda

Uma pena que Reza a Lenda tenha ficado tão pouco tempo em cartaz e passado despercebido do grande público.

Fora uma declaração megalomaníaca de seu diretor, Homero Olivetto, que vem em conjunto com Alê Abreu (diretor de O Menino e o Mundo), seguindo uma tendência recente de ufanismo nos cineastas nacionais, afirmando este filme ser o “Mad Max brasileiro”, ao assisti-lo podemos afirmar, sim, que ele provavelmente recebeu muita inspiração do filme de George Miller (o original de 79). Já quanto à escala, não podemos dizer o mesmo. E vale lembrar que a despeito do baixo orçamento, nós sabemos que o Nordeste possui regiões que lembram uma espécie de Mad Max da vida real, além de, no caso desse filme,  contar um drama épico onde toda a esperança parece perdida.

Mas o interessante mesmo em Reza a Lenda é que ele rapidamente se torna um bom e velho faroeste, cujo folclore é adaptado para a caatinga nordestina acompanhado de uma lenda de origem religiosa sobre uma santa que se colocada no lugar onde pertence, trará a chuva. Essa é a medida de milagre que um lugar inóspito e poeirento merece, e é por isso que o filme não precisaria explicar muito da motivação de seus anti-heróis, todos eles órfãos da seca, movidos por um líder religioso (Nanego Lira), um lunático que é sincero no que acredita.

Curioso como enquanto Os Dez Mandamentos, outro filme religioso em cartaz, submete seu público àquela lavagem cerebral costumeira da religião (e da política) de aguardar por um salvador da pátria, Reza a Lenda, assim como Que Horas Ela Volta, é um exemplo de revolta contra o sistema vigente, mesmo que conte com a história de uma santa milagrosa como o que move a história. Porém, enquanto o sucesso estrelado por Regina Casé berra aos quatro ventos sua cartilha comunista no melhor estilo propaganda Eisensteiniana (o diretor/editor de filmes oficial da União Soviética), Reza a Lenda prefere a estratégia perene de incutir seu ponto de vista sobre a dominação religiosa/política sutilmente dentro de sua história, constituindo no processo um trabalho primordial de “implante de ideias” no estilo de A Origem.

Isso ocorre principalmente pelo ótimo roteiro do diretor, Patrícia Andrade (2 Filhos de Francisco) e Newton Cannito (Bróder), que estruturam uma saga simples de ser acompanhada ao mesmo tempo que ela possui em seu universo as particularidades do cenário que quer descrever. Dessa forma, Tenório, o político/coronel das terras, que controla o acesso a uma santa de ouro pela população cobrando ingresso, é antropomorfizado e demonizado ao mesmo tempo pelo veterano Humberto Martins sem precisar ir muito longe em sua caracterização. Ele dispara frases certeiras, ditas com uma cadência lenta de quem analisa friamente uma situação, e utiliza um sotaque leve e rústico o suficiente para humaniza-lo.

Reza a Lenda Crítica

Enquanto isso, os flashbacks que o protagonista vai vivenciando, o líder de gangue Ara, vivido pelo interessante mas inócuo Cauã Reymond, vão enriquecendo o contexto inicial, quando um acidente fatal mata a amiga de Laura (Luisa Arraes) e a torna uma refém eventual para uma quadrilha que almeja algo impalpável em uma terra que há de os tragar sem nunca ter dado nada em troca, senão a necessidade de enterrar os próprios pais em solo infértil. Ao mesmo tempo que Reza a Lenda se torna cúmplice dessa loucura acompanhamos o resgate de Ara para a sanidade. Esse embate filosófico é o ponto mais forte da história e o que define seu clímax. Em cima disso temos a velha história da forasteira com ares de princesa que rouba o coração do caboclo e isso se transforma em um clichê quase que necessário. Uma pena que a única virtude da menina é uma suspeita beleza e que, seguindo a cartilha nacional, duas mulheres irão exibir seus belos corpos.

Reza a Lenda se estabelece não como a ação desenfreada que poderíamos esperar após a declaração de seu diretor, mas como um filme lento e corajosamente atento à história que quer contar. Enfraquecido pelos clichês, ainda mantém em seu núcleo uma ponta de revolta ideológica que faz valer seu ingresso ou seu tempo.


“Reza a Lenda” (Bra, 2016), escrito por Homero Olivetto e Patrícia Andrade, dirigido por Homero Olivetto, com Cauã Reymond, Humberto martins, Sophie Charlotte, Luisa Arraes, Júlio Andrade e Jesuíta Barbosa


Trailer – Reza a Lenda

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