Piranha | Ruim não é a palavra certa

Explicar trash, para quem não está acostumado com o gênero, na maioria das vezes se torna um exercício de paciência, já que é complicadíssimo entender como se pode apreciar algo feito para ser ruim. Talvez ruim não seja a palavra certa, mas está bem perto disso, nesse caso o trash não dá aquele último passo na direção da sátira ou da comédia e só provoca os risos pois não tem medo de olhar para as besteiras de seu próprio gênero. Resumidamente, talvez trash seja um esforço para não ser levado a sério.

O problema do trash é não avisar ninguém disso, ou você embarca na brincadeira ou você sai irritado do cinema, mas não se engane as pistas estão ali para serem achadas e garantir uma certa diversão, e Piranha faz exatamente isso. Se depois da sequencia inicial, com Richard Dreyfuss repetindo o visual de seu famoso papel em “Tubarão”, sendo estraçalhado por um cardume de piranhas vindas de uma fenda no fundo de um lago (e fazendo aquilo que o tubarão não conseguiu), não for dica suficiente para isso, o melhor é largar o filme logo depois disso, pois a idéia é jogar tudo mais e mais no ventilador.

Na trama, esses peixinhos cheios de dentes dão as caras justamente durante um Spring Break (feriado famoso nos EUA) em um lago cheio de jovens repletos de hormônios. A situação piora quando descobre-se que na verdade as piranhas são canibais e sobreviveram escondidas debaixo desse lago desde a pré-história (um abalo sísmico cria a fenda e libera as belezinhas). No meio disso tudo, resta apenas a xerife, vivida por Elisabeth Shue, tentar salvar o máximo de pessoas, já que, sem sombra de dúvida o estrago vai ser grande.

Mas quem se importa com tudo isso, já que Piranha é apenas um desculpa para colocar a combinação mutilações, gore, biquínis fio dental, topless e 3D tudo no mesmo prato para os fãs do gênero. A direção fica nas mãos do francês Alexandre Aja, que derrapou feio em “Espelhos do Medo”, mostrou uma baita competência em “Viagem Maldita” (e também em seu filme de estreia “Alta Tensão”) e aqui, compra a idéia e simplesmente se diverte encostando tudo na cara de seu público.

O legal do trabalho de Aja é perceber o quanto ele está à vontade com sua câmera e tem controle sobre o filme, assim como o quanto demonstra conhecer seu espectador, afinal de contas ninguém entra em uma sessão de “Piranha” esperando algo que não seja exatamente o que Aja propicia, por isso o melhor é esperar para se divertir com muitas, mas muitas mesmo, cenas sanguinolentas que tornam o lago vermelho e deixam pedaços de cadáveres boiando depois da chacina toda. Sem vergonha de trabalhar com vísceras, e gores em geral, voando na direção da câmera.

Por outro lado, em um controle mais que cara-de-pau do terreno onde está pisando, não poupa nenhum corpo modelado e bronzeado, diminuindo a velocidade de seu filme muito mais para mostrar bundas, coxas e seios (e dando algumas desculpas em três dimensões para os marmanjos irem ao cinema) do que com as piranhas em si, já que o trabalho delas é justamente destruir essa beleza toda. Em um certo momento um cabo de aço fatia uma loira com seios fartos, mas não sem antes deixar o espectador ver a parte de cima de seu biquíni voa pelos ares e deixar a vista um topless que logo depois é dividido junto com seu corpo, é esse o humor de Aja, uma crítica aos filmes do gênero que procuram na nudez um chamariz maior que a história em si. Além de divertir a beça.

E mesmo, muitas vezes fazendo um trabalho mais que interessante, como quando coloca a câmera no chão de uma plataforma flutuante virada e mostra as pessoas caindo do mesmo jeito que James Cameron eternizou em “Titanic”, Aja só não consegue manter essa certa qualidade visual nos ataques das piranhas muito talvez pela qualidade do 3D, que mesmo pensado desde o começo da produção, foi na verdade convertido depois de filmado, ou isso ou simplesmente pelos próprios óculos que acabam escurecendo um pouco as cores do filme, mas enfim, pelo menos o cineasta dribla esse problema fazendo sempre questão de mostrar as vítimas dos ataques, quanto mais comidas melhor.

Apesar disso, Aja pelo menos tem a presença de conseguir imprimir um certo suspense em todo material, tanto por muitas vezes mergulhar com as próprias piranhas como por tratar da entrada na água de qualquer um como um assassinato em potencial, o que funciona mais que o normal, já que não esquece de só fingir o ataque e, na maioria das vezes fazendo-o ir a vias de fato.

Mas voltando a 1978, quando foi lançado o original (dirigido por Joe Dante), “Piranha” foi acusado de plagiar Spielberg e seu “Tubarão”, e hoje essa nova versão não tem nem vergonha de fugir disso, mas em ambos casos não por falta de imaginação, mas sim para mostrar para todas outras cópias descaradas de balneários sendo atacados por “monstros marinhos” que, na ausência do que fazer, o melhor é rir de si mesmo. Até por que, que outras razões a personagem de Elizabeth Shue teria para fechar seu lago se não fosse por ter visto Roy Schieder fazer exatamente a mesma coisa, já que o roteiro aqui não se importa de dar muitas razões para isso logo de cara, assim como não se importa em dar aos seus personagens algumas linhas de diálogo dignas de serem levadas a sério.

Pensando bem, muita gente vai se importar, aquelas que não perceberem que a falta de sentido pode fazer parte do trash, e se não fizer, não importa, já que ser trash é mandar às favas, na maior cara de pau, tudo que está ao seu redor e morrer de rir disso.

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Idem (EUA, 2010), escrito por Pete Goldfinger e Josh Stolberg, dirigido por Alexandre Aja, com Richard Dreyfuss, Ving Rhames, Elisabeth Shue, Christopher Lloyd, Eli Roth, Jerry O´Connell, Steven R. McQueen, Adam Scott e Jessica Szohr

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2 Comentários. Deixe novo

  • Vinicius Carlos Vieira
    05/11/2010 13:43

    certeza, muita gente acaba perdendo um monte de diversão por não entender o que é “Trash”…. “Arraste-me para o Inferno” (que tem a crítica aqui) é um exemplo disso, um monte de gente saiu do cinema sem gostar dele, simplesmente por não ter entendido a piada…. mas é assim mesmo…. de qualquer jeito, obrigado pela visita e volte sempre…

  • Alexandre Manoel
    04/11/2010 17:08

    Bela resenha!!! Poucas pessoas entenderam o espírito trash do filme – que é bem divertido: sangue e putaria!!!!!

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