Oscar: Melhor Documentário

Com o Oscar “batendo na porta”, nada melhor do que um monte de gente especializada chutando os grande vencedores da noite do dia 28 de fevereiro. Sim aqui também teremos um “cara especializado” falando sobre o assunto: eu.

E para começar isso, vamos aos indicados a Melhor Documentário. Por que? Porque sim, porque é necessário começar por algum lugar e na maioria das vezes os documentários parecem sofrer com um certo preconceito dos espectadores, afinal quase sempre as pessoas não estão preparadas para “enxergar a verdade”.

De qualquer jeito, o grande vencedor da noite será mesmo Amy, então preparem-se para ver a biografia da cantora inglesa (ou no Netflix, ou na TV à cabo, no Multshow). Mas não, o que de melhor os indicados em 2016 entregam não passa por Amy. Curiosamente em um daqueles momentos em que todos dirão “ah, mas como todo crítico é chato!”, todos quatro concorrentes acabam sendo experiências muito mais interessante que essa dirigida por Asif Kapadia, mesmo de Senna.

Ok, podem me xingar menos um pouco, já que, realmente, What Happened, Miss Simone? nem bem merecia estar entre os quatro indicados. Ainda que a diva do Jazz Nina Simone seja uma força da natureza complexa com uma vida incrível e cheia de reviravoltas, dores, tristezas e um poder de se tornar um mito, seu filme é chato, lento, arrastado e parece só arranhar a profundidade de sua personagem.

Curiosamente, um problema que, justamente, Amy não sofre. Mantendo a mesma linguagem do filme do piloto brasileiro, Kapadia aposta nessa enorme quantidade de imagens de arquivo e entrevistas em off. A diferença aqui é que, bem diferente de Senna, Winehouse tem uma personalidade muito mais interessante a ser explorada e entendida. E talvez essa seja a principal arma de Amy, sua maior força: você acaba o filme conhecendo a cantora inglesa.

Não só isso, Kapadia é cirúrgico ao tentar entender a cantora, principalmente quanto relaciona suas letras com os tropeços e dores de sua vida. Uma decisão narrativa que se torna interessante, mas em nenhum momento surpreende ou sequer emociona. Amy soa muito mais como um documento histórico sobre a carreira da cantora do que um daqueles momentos onde o gênero dá um passo inesperado diante do espectador e cria uma realidade incrível. E é exatamente isso que os três outro candidatos a Melhor Documentário do Oscar de 2016 o fazem.

Talvez o menos interessante deles acabe sendo o mais impressionante. Winter of Fire: Ukraine´s Fight For Freedom é quase um convite para entender um mundo, andar pela ruas de Kiev enquanto uma manifestação de estudantes se tornou uma guerra civil que resultou não só na deposição do presidente da Ucrânia, como em um conflito que ultrapassou as fronteiras do país chegou à Rússia e recebeu a atenção do mundo. E é exatamente esse caminho que o conflito percorre que mais impressiona, uma tragédia anunciada desde os primeiros momentos.

E ainda que não pareça que o diretor Evgeny Afineevsky estivesse “in loco” desde os primeiros momentos do conflito, como o por vezes o semelhante The Square, indicado ao Oscar em 2014, parecia estar, é seu esforço em retratar o conflito pelo lado dos manifestantes do modo mais completo possível que conquista o espectador. Uma identificação imediata, já que iniciam uma luta por uma causa justa, mas que ele vê isso se transformar em uma luta nobre: a sobrevivência de uma geração.

E nesse sentido, Winter of Fire (assim como The Square) é impecável enquanto se agacha fugindo das balas e observa os manifestantes sendo espancados e mortos. Um filme que em certos momentos se torna dolorido enquanto um dos lados se vê perdendo uma guerra que nem por um momento parecia ter chance de ganhar. Ao mesmo tempo é a coragem desse lado “perdedor” que acaba sendo sua principal arma, e observar essa reviravolta enquanto ela acontece é uma experiência única e inesquecível.

Por fim, os dois últimos indicados acabam sendo os mais interessantes, justamente por serem únicos em seus olhares. Cartel Land por ele próprio testemunhar uma reviravolta inesperada e The Look of Silence por propor ao espectador uma experiência única.

O primeiro, Cartel Land é uma aula de jornalismo investigativo. Uma busca por dois lados de uma mesma moeda, mas que, com aquela sorte de estar no lugar certo e na hora certa que certos documentarias têm, se vê de frente a uma reviravolta que embola qualquer tipo de sentido que o material parecia ter em um primeiro momento. Da ideia inicial de olhar para duas tentativas “amadoras” de enfrentar os cartéis mexicanos na fronteira, o resultado é melancólico de dois lados, ambos engolidos pelas próprias pretensões.

Do lado dos Estados unidos, um grupo paramilitar de cidadãos que dia-a-dia percorrem a fronteira com seus uniformes camuflados e suas armas de grosso calibre. No México, alguns moradores de uma cidade decidem pegar em armas (muito menos poderosas e nada hollywoodianas, como seus “american frieds”) e formam um grupo que acaba se tornando muito maior do que qualquer um poderia esperar. Duas milícias. Dois lados. Um mesmo resultado melancólico e triste.

look-of-silence

Por fim, The Look of Silence (que infelizmente é o único dos cinco que não dá para ser encontrado no Netflix) é um tapa na cara, um soco no estômago e a definição perfeita de silêncio constrangedor. “Constrangedor” pela violência do assunto, pela falta de palavras e pela dura realidade. Nele, o irmão de uma vítima dos “famosos” genocídios da Indonésia nos anos 60, busca confrontar cara-a-cara os culpados por essas mortes. Não como uma vingança, mas sim para tentar entender como tamanha violência pode ser deixada no passado sem um pingo de arrepedimento.

The Look of Silence então é o retrato perfeito da falência do ser humano. De uma realidade tão deturpada pela violenta força do mais forte que é impossível não sentir suas entranhas se revirarem diante das entrevistas com os líderes dos “esquadrões da morte”. Curiosamente, o filme, assim como Winter of Fire e The Square, encontra um parente no Oscar de 2014, já que o diretor Joshua Oppenheimer é o mesmo que explorou o mesmo período da região no igualmente incômodo O Ato de Matar.

Curiosamente, tanto The Square e O Ato de Matar em 2014 perderam o Oscar para A Um Passo do Estrelato, documentário sobre a vida de de um grupo de backing vocals, enquanto em 2016, The Look of Silence e Winter of Fire verão a vida de uma “lead singer” levar a estatueta para casa. Por outro lado, não é uma surpresa que o mundo real, aquele com personagens reais, problemas reais e mortes reais acabem ficando na plateia, sentados vendo os “problemas” de seus ídolos ficarem com os louros de mais um ano de injustiças no Oscar.

PS: Se você estiver lendo esse texto depois do Oscar e Amy não tiver levado para casa o Oscar… bom, saiba que eu errei, mas sou um “cara especializado” muito mais feliz.

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