Os Dois Filhos de Joseph | Melancolicamente inebriante


[dropcap]É[/dropcap] complicado fazer um filme sobre personagens que não despertam simpatia ou possuem qualquer virtude digna de ser observada. Nesse sentido, Os Dois Filhos de Joseph é uma produção que está todo o tempo à beira do esquecimento.

Em alguns momentos nos preocupamos tão pouco com o destino dessa família que quase nos esquecemos que eles são o assunto do longa. Em outros, a eterna espera por algo que mude o destino estampado em seus genes gera a suspeita cada vez mais certeira de que este é um filme sobre o ciclo inescapável da natureza das pessoas.

Estamos acompanhando a aventura de dois filhos, Joachim (Vincent Lacoste) e o caçula Ivan (Mathieu Capella), além de seu pai, Joseph Zuccarelli (Benoît Poelvoorde). Joseph lutou junto de seu irmão com câncer por dois anos até seu falecimento. Durante esse tempo ele fechou seu consultório médico e se dedicou a escrever, ao mesmo tempo em que seu filho Joachim ficou patinando sem conseguir entregar sua tese final da faculdade de psiquiatria e o jovem Ivan seu perdeu em uma paixão por uma garota da escola.

Crises de família podem ser observada de várias maneiras no cinema. Esse trabalho de estreia na direção do ator Félix Moati não é fácil para a maioria dos espectadores, pois carece de ação e sobra introspecção. Abordando o tema dos três homens solteiros que deslizam em torno de seus objetivos sem nunca conseguir agarrá-los, a câmera de Moati está sempre pedindo perdão por filmar seus personagens de relance, mas com isso os aborda de uma maneira intimista ao mesmo tempo que obscura, muitas vezes obscura literalmente, por conta da fotografia cinzenta e cheia de sombras; a trilha sonora instrumental ajusta o estado de espírito desconcertante dos três, e as mulheres de suas vidas são meros reflexos de suas incapacidades afetivas.

Apesar de dividirem a tela por tempos equivalentes, Joachim é o protagonista. É dele o destino cruel de enxergar em seu pai o seu futuro como incapaz de lidar com os problemas da vida real ao mesmo tempo que observa em seu irmão os reflexos do passado quando passou por uma paixão avassaladora que o tornou um rapaz tímido sem energia para continuar sua vida amorosa, embora continue com sua mania de flertar com qualquer garota que encontre pelo caminho (incluindo sua própria prima).

Esta é uma comédia sobre uma família disfuncional que pode ser comparada a uma versão minimalista (e francesa) do espalhafatoso (e hollywoodiano) Os Meyerowitz (de Noah Baumbach). O núcleo de humor de ambos os filmes gira em torno da inadequação dos seus membros nos mais diversos níveis, profissional e afetivo.

Ainda assim, é possível sentir aqui e ali um humor mais leve, como quando acompanhamos o jovem Ivan e sua paixonite por uma garota improvável (e a observação do seu irmão por ela ser a filha do zelador coloca o filme mais próximo da influência de Godard e sua burguesia ridicularizada). Podemos até achar engraçado a compulsão de Ivan em ingerir álcool em plenos treze anos, mas no final das cenas, que envolve quase sempre os três personagens, o que resta ao espectador é um forte sentimento de impotência, dinâmica essa que lá pelo meio da projeção começa a soar repetitivo e formulaico.

O roteiro, também de Moati, cria algumas rimas que parecem elegantes, como o momento em que os três, na mesma casa, os dois mais velhos acompanhados, se sentem vazios e sozinhos. Porém, esses momentos soam artificiais, porque a narrativa, apesar de coesa, não liga seus elementos a ponto de entendermos o fluxo como coincidências conversando. Se trata apenas da boa e velha manipulação cinematográfica. Charmosa, competente e com um fundinho de jazz; mas manipulação.

Porém, como havia dito, é complicado fazer um filme em que seus heróis não possuem nada de bom ou de simpático exceto fazer-nos rir pela sua inadequação hereditária. A família Zuccarelli, assim como os Meyerowitz, possui essa maldição (pelo menos do lado dos homens), mas no caso dos Zuccarelli temo ser algo congênito, de difícil resolução. Sim, eu sei, seu desfecho é libertador, ou pelo menos deveria ser entendido dessa forma, pois é difícil acreditar em liberdade após uma hora e meia de uma melancolia inebriante.


“Deux Fils” (Fra/Bel, 2018). escrito por Félix Moati e Florence Seyvos, dirigido por Félix Moati, com Vincent Lacoste, Benoît Poelvoorde, Mathieu Capella.


Trailer do Filme – Os Dois Filhos de Joseph

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