O Homem da Máfia | Apenas negócios

É curioso quanto o diretor neozelandês Andrew Domminck parece ter muito mais de uma década de carreira, pior ainda, é quase engraçado o quanto seu nome já surge como uma espécie de rótulo mesmo tendo feito apenas dois filmes antes de O Homem da Máfia.

Dono de um senso estético apurado e de um gosto pela violência poética que marca uma nova geração de diretores (como Nicola Winding Refn, de Drive), Domminick, depois de retratar dois bandidos notórios, em Chopper (onde descobriu o talento de Erick Bana) e em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, agora parece focar em um “bad guy” um pouco diferente: o capitalismo.

E isso pode parecer presunçoso em um primeiro momento, já que, sem a mínima sutileza, impõe toda situação dos Estados Unidos em crise dentro desse “noir-moderno”, para isso, não faltam analogias para servir de combustível para que essa história se esforce em um retrato cru e pessimista de uma situação. Na verdade duas situações pessimistas e cruas, a própria trama e o próprio país.

Na primeira, Scoot McNairy (do interessante Monsters, que não foi lançado no Brasil) e Ben Mendelson (que surgiu no sensacional Animal Kingdom) são dois ladrões “pés de chinelo” que têm a oportunidade de roubar a banca de um jogo de pôquer controlado por um mafioso vivido por Ray Liotta. Um plano que só daria certo, pois o mesmo já tinha cometido um roubo de sua própria banca algum tempo atrás, o que o colocaria como suspeito número um.

O problema é que, com os Estados Unidos em crise e todos se importando com qualquer dinheiro perdido, o roubo acabou se tornando um problema grande o suficiente para a imagem dessa “organização”, que Jakie, um matador profissional (Brad Pitt), é chamado para limpar toda sujeira.

Baseado no livro de George V. Higgins, Dominick ainda escreve esse roteiro que caminha por essa história de modo surpreendente, principalmente ao criar essa cumplicidade entre o espectador e esses dois ladrões, apresentando-os com um cuidado enorme para, só então, olhar com frieza para esse cara todo vestido de preto, fala ágil e inteligente que irá ditar a história no resto do tempo. Um algoz inevitável que, provavelmente, porá a chão tudo aquilo que já foi visto no primeiro ato. Como um ceifador cavalgando as quatro bestas da música de Johnny Cash (The Man Comes Around) que embalam sua chegada ao filme.

E ainda que essa relação com a crise americana pareça ser esfregada demais na cara do espectador, com várias TVs ligadas a discursos e debates com políticos, com o próprio presidente Barack Obama, Domminick não parece em busca de ser sutil em nenhum momento de seu filme. Não exposto, mas sem esconder nada em subjetividade. Sem atalhos, somente aquilo que está ali na tela, o que cria, mesmo dentro de um filme ideologicamente “acinzentado”, um resultado pragmático e prático.

Enquanto se move entre diálogos sensacionais e cheios de vida, O Homem da Máfia resulta ainda em um visual tão impactante quanto O Assassinato de Jesse James…, muito menos “poético”, mas ainda assim igualmente marcante. Tanto pelo jeito com que acompanha seus personagens pelas costas, sem encarar o medo em seus olhos (e fragilizá-los, como faz com um deles ainda dentro do carro) enquanto convida o espectador a acreditar que aquele roubo vai dar certo, como, prontamente, se coloca os impedindo de andar mais rápido (com a câmera em seus caminhos), como se já sentisse que o caminho de volta não seria assim tão limpo e sem obstáculos.

O Homem da Máfia Filme

Domminick vai então criando esse monte de momentos plásticos, visualmente ricos e cheios de significado (como todas as vezes que não encara Pitt de frente, ou como se coloca “a partir” da viagem de heroína de um dos ladrões, além da marcante morte de um dos personagens em uma câmera lenta cheia de estilo), não só para fugir de um filme que poderia ser entediante, já que não se deixa ter um ritmo muito ágil (para não se enganar em um filme de ação qualquer), como para combinar com a vivacidade de um roteiro tremendamente interessante.

Uma história coroada pela ironia da presença de James Gandolfini como um melancólico assassino contratado prestes a cumprir pena por porte de uma arma legal, além da pressão da família e do passado que o fragiliza, como um executivo experiente que descobre a frustração de perder tudo diante de um golpe que pouco faz sentido dentro daquele mundo. Uma analogia que, à primeira mão, pode até parecer forçada, mas vai de encontro a essa máfia que acha a evolução dentro do próprio capitalismo. Mas que resulta em algo muito mais selvagem.

Assim como deixa o discurso de Barack Obama na TV do bar nos momentos finais, enquanto uma negociação entre o personagem de Pitt e seu contratante (o sempre ótimo Richard Jenkins) perde a compostura e vê valores sumirem, porcentagens diminuírem e a sensação de que, até a máfia precisa lidar com a recessão. Pois, como Pitt lembra na sequência, não há unidade, “os Estados Unidos não é um país, são só negócios”, uma conclusão que não aponta uma solução, mas mostra onde está o problema, tanto na máfia quanto em todo país.


Killing Them Softly(EUA, 2012) escrito por Andrew Dominik e George V. Higgins (livro) , dirigido por Andres Dominik, com Brad Pitt, Scoot McNairy, Ben Mendelsohn, James Gandolfini, Richard Jenkins r Ray Liotta.


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