O Besouro Verde

Em um momento, lá para o meio de O Besouro Verde, o vilão Chadnofsky (após todos tirarem sarro de seu nome impronunciável e sem charme) coloca a cabeça do herói à prêmio para o submundo da cidade, eis então que, em uma sequencia totalmente maluca, a população de criminosos da cidade começam a matar todos que estão de verde, de um torcedor com o uniforme de seu time (do Green Bay Packers) até mesmo um carro, por ser verde. O resultado é uma fila de corpos, mas também a certeza absoluta que Michel Gondry não faz a mínima questão de ser levado à sério nessa adaptação do programa de rádio que fez sucesso nos anos 40.

Na verdade, talvez o roteiro escrito pelo mesmo Seth Rogen (na mesma parceria com Evan Goldberg que resultou nos divertidos Segurando as Pontas e Superbad – É Hoje) que também estrela o filme, esteja mais preocupado em adaptar a série de TV do mesmo personagem que fez tanto sucesso, nos anos 60, com Bruce Lee no papel do ajudante Kato. E é justamente essa dinâmica que Rogen, Goldberg e Gondry buscam para mover o filme, assim como um enorme cara de pau de tirar sarro dos exageros do gênero. Quem não der risada do “massacre verde” (nem do resto do humor similar), provavelmente vai estar levando à sério algo que, dá dicas de que tenha sido feito para não ser levar à sério.

Tudo em O Besouro Verde recorre a uma certe imbecilização, tanto da trama quanto de seus personagens, principalmente o próprio Besouro (Rogen), que parecem sempre despreparados para o sucesso, incapazes de segurarem a risada diante do quanto o obvio e o clichê podem vir seguidos de uma espécie de fracasso intelectual, que deixa com tudo com um frescor bem-humorado que permite O Besouro Verde ser um passatempo divertido.

Muito embora esse tom galhofeiro possa até não ser totalmente percebido pelo público graças a uma trama que, em certos momentos, se sente obrigada a ser um filme de aventura normal demais, perdendo demais o ritmo durante seu meio, onde é obrigado a criar uma base de conflitos para levá-la até o fim e não conseguindo fugir do próprio clichê, caindo em brigas batidas entre os protagonistas e até apostando, exclusivamente, na presença maior do vilão, nesse segundo momento, para mover a trama (ainda que seja impossível passar por isso sem algumas boas risadas). Quem sai perdendo, é o público, principalmente aquele que não esteja se divertindo com a piada, de irritando com essa falta de ritmo e não conseguindo mais embarcar na história depois disso.

Mas quem estiver embarcado, é justamente essa estrutura corretinha que ajuda mais o filme a não perder o interesse, já que ela finge, desde o começo, ser um filme heróico, com o protagonista, playboy mulherengo e sem ambição, herdando um império das comunicações do pai (que nesse caso é um completo babaca vivido por Tom Wilkinson e não uma figura a ser seguida, por mais que o roteiro falhe ao sentir a necessidade de limpar sua barra no fim) ao mesmo tempo que descobrindo a possibilidade de lutar contra a criminalidade, junto com o ex-mecânico, gênio, mestre em artes marciais (e “cara do café”) que trabalhava para seu pai, Kato (Jay Chou).

É lógico que a história segue essa gênese clássica de combatente do crime, fazendo até a estreia do vilão antes do herói, como a maioria dos filmes de herói que se prezem (contando ainda com uma ótima participação de James Franco no papel de um criminoso rodeado de capangas vestidos de ternos caros e um escritório “cheio de vidro”), papel que cabe ao ganhador do Oscar Christophe Waltz (de Bastardos Inglórios). Mas em nenhum momento Gondry, e o roteiro de Rogen e Goldberg, parecem a vontade com esse rótulo, o que para muito pode parecer uma falha narrativa, mas, a comparar pelo cinismo e a sutilidades das partes (em seus filmes passados), acaba se mostrando muito mais uma vontade de não ser heróico, mesmo em um filme de heróis.

E, assim como a imagem que a série de TV permite ser lembrada (com Bruce Lee ficando para a posteridade) Gondry vai à procura dessa ironia, dessa inversão de papeis, onde seu “Batman” é um zero à esquerda e seu “Robin” salva do dia (assim como deixa seu Kato brincar de ser Bruce Lee, treinando seus gestuais, sozinho dentro do carro, e até desenhando o próprio em sua prancheta). O melhor de tudo é Gondry não conseguir esconder o quanto se diverte com o material, com um slow motion para destacar mais ainda a insensatez de toda idéia e a possibilidade de nadar contra a corrente do gênero.

Talvez Gondry só perca um pouco seu controle ao deixar Rogen exagerar um pouco demais em seu personagem, se deixando por certas vezes infantilizado demais, mas ainda assim equilibra essa falha com momentos deliciosos como o flashback obrigatório onde o espectador descobre o verdadeiro vilão, que acaba se tornando uma colagem psicodélica de imagens dentro da cabeça do protagonista, mas que é logo rebaixado à piada sob o olhar do vilão.

Por fim, o problema de O Besouro Verde acaba sendo esse humor frio que não tem medo de não contar a ninguém que aquilo é para ser engraçado, que aposta em uma dupla de heróis fazendo a “coisa mais insanamente estúpida que um herói poderia fazer”, mas faz isso de modo tão cínico que muito podem acabar não entendo que a piada é, justamente, rir deles, não com eles.


The Green Hornet (EUA, 2011), escrito Seth Rogen e Evan Goldberg, dirigido por Michel Gondry, com Seth Rogen, Jay Chou, Cameron Diaz, Tom Wilkinson e Christoph Waltz


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