Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre | “…Sempre”


A delicadeza de Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre está na humanização da personagem, não existem respostas fáceis, mas elas estão lá e movem essa garota que resolve decidir seu próprio caminho. O filme de Eliza Hittman é sobre escolhas, mas mais do que isso é sobre a liberdade de ter essas escolhas.

Hittman dirige e escreve esse poderoso drama que acompanha essa jovem garota Autumm (Sidney Flanigan) tendo que lidar com uma gravidez indesejada. Das dúvidas, questionamentos e inseguranças, até uma viagem até Nova York para conseguir um aborto minimamente humanizado e seguro.

Essa jornada silenciosa e sensível ainda ganha a presença da prima Skylar (Talia Ryder).Na companhia das duas somente a câmera de Hittman, próxima, desesperada por entrar na alma de suas personagens e entender o que estão sentindo. Existe uma barreira instransponível em Autumm, não um segredo, mas algo que precisa ficar em uma camada mais profunda daquela situação, não exposta. Uma vergonha talvez.

Não a vergonha de seus atos, mas de ter que viver em um mundo onde elas são assediadas e agredidas por absolutamente todos ao seu redor, seja por assédio, relações abusivas ou pura misoginia. Os homens nas vidas das duas são monstros que carregam o poder da sociedade para tratarem elas do jeito que acham melhor para eles. Autumm interioriza todas essas agressões, mas decide tomar seu caminho, quase como uma libertação.

Hittman acerta em todos esses detalhes com uma sensibilidade à flor da pele, entende essas personagens e suas dores. Vê a esperança se esvair quando se descobre dentro de uma armadilha anti-aborto, mas encontra a força da prima para seguir em frente, independente de quem possa querer impedi-las.

Ao mesmo tempo, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre é duro. Não são sentimentos simples e fáceis de digerir que formam sua personalidade. Lidar com tudo isso de modo tão próximo à personagem é de cortar o coração.

O filme não tenta mostrar nada a não ser essas emoções nos olhares e pequenos gestos das duas personagens. Os diálogos parecem entrecortados, já que nada precisa ser dito, mas sim sentido. Autumm não precisa de questionamentos, mas sim de uma mão para segurara a dela e lhe dar força naquela decisão. A dupla de protagonistas tem uma humanidade impressionante e entendem completamente bem a ideia da cineasta de estarem por trás dessa camada de inseguranças, como se não quisessem ser observadas.

A diretora não erra em nenhum momento, sua firmeza é impressionante. Um filme simples, de opções estéticas poderosas e decisões precisas. A cena que dá nome ao filme é talvez um dos momentos mais marcantes do cinema no ano, apenas uma câmera parada em uma personagem enquanto o espectador reconhece todas suas dúvidas, incertezas e dores. Sem cortes, sem subterfúgios, sem mentiras, só a verdade.

Autumm e Skylar estão fisicamente sozinhas nesse mundo, seja em Nova York, seja na sua cidade natal, mas mentalmente conseguem enfrentar esse lugar que tenta sobrepuja-las. Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre  não é sobre as respostas fáceis, muito menos sobre o aborto, mas sim sobre esse mundo que está o tempo inteiro tentando quebrar essas duas garotas em pedaços. Não um filme sobre a raiva, mas sim sobre a compreensão, sobre as opções, sobre as mãos estendidas e que não são assediadas, mas sim reconfortam e criam a força que essas meninas precisam para viver em um mundo que não está a favor delas em nada.


Never Rarely Sometimes Always (EUA/UK 2020); escrito e dirigido por Eliza Hittman; com Sidney Flanigan, Talia Ryder, Sharon Van Etten, Ryan Eggold e Théodore Pellerin


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