Meu Ex é um Espião | Dinâmica da dupla vale o filme


[dropcap]M[/dropcap]eu Ex é um Espião encontra-se naquela espécie de limbo das comédias que brincam com as subversões de um gênero — no caso, espionagem — ao mesmo tempo em que segue várias de suas convenções. Beneficiando-se da dinâmica entre as duas personagens principais e do fato de ter a amizade entre elas como centro da narrativa, a produção mostra-se divertida e envolvente.

Audrey (Mila Kunis) não poderia estar mais desanimada em seu aniversário de 30 anos: sem perspectivas profissionais, ela trabalha como caixa em um supermercado e acaba de ser largada via mensagem pelo namorado, Drew (Justin Theroux). Mas, pelo menos, ela conta com o apoio e as loucuras de sua melhor amiga, a irreverente Morgan (Kate McKinnon), com quem divide um apartamento. Depois de receber uma estranha ligação de Drew, Audrey e Morgan descobrem que ele é um agente da CIA e que está envolto com uma trama internacional perigosa — e, quando o apartamento das mulheres sofre um ataque e Drew morre, cabe às amigas dar continuidade aos planos do espião antes que a situação fique ainda mais complicada.

O que se segue, é claro, é uma trama que leva Audrey e Morgan por uma turnê europeia, começando por Viena. É lá que Audrey e Morgan participam de um tiroteio envolvendo a clientela inteira de um restaurante, iniciado por um espião, Sebastian (Sam Heughan), que está atrás do pendrive que Drew deixou sob a responsabilidade de Audrey e que carrega documentos importantíssimos, obviamente. Essa sequência, aliás, é a primeira — e intensa — demonstração de que a diretora Susanna Fogel (que assina o roteiro ao lado de David Iserson) vai fundo não apenas na comédia, mas na violência. Mesmo sem uma mise-en-scène particularmente memorável nas sequências de ação — ainda que eficiente e dinâmica —, Fogel acerta mesmo é na forma com que aproveita os elementos do cenário para compor os embates, incluindo um criativo uso de uma panela de fondue. Uma misteriosa assassina profissional (e ex-ginasta) surge para completar o leque de convenções da espionagem adotadas despretensiosamente por Meu Ex é um Espião.

Enquanto isso, Mila Kunis e Kate McKinnon acertam em cheio na dinâmica de suas personagens, que é não apenas uma das maiores forças do longa, mas também o aspecto mais importante para que ele funcione. Se Kunis faz de Audrey uma mulher que anseia por uma vida mais satisfatória mas que também encara sua existência pacata com uma certa apatia por não acreditar ser capaz de nada além daquilo, McKinnon aproveita-se de sua persona para estabelecer Morgan como um oposto à melhor amiga — a personalidade expansiva da personagem é fundamental para que Audrey acredite ser capaz de dar conta de sua missão. Enquanto isso, McKinnon também traz um certo peso dramático para Morgan, demonstrado especialmente na cena em que ela desabafa sobre o fato de muitas pessoas acharem que ela deveria “abafar” sua excentricidade e energia para ser mais… normal.

Juntando isso ao fato de que o arco dramático de Audrey envolve a protagonista descobrindo seu próprio potencial depois de ser menosprezada por todos, inclusive pelo ex-namorado, vemos que, cada uma a sua maneira, as duas personagens centrais de Meu Ex é um Espião terminam por negar as convenções que queriam encaixá-las em uma ideia de como as mulheres devem ser e agir. Isso é abordado com muita leveza, mas está ali e mostra a importância de termos mulheres cineastas contam histórias sobre mulheres em uma variedade de gêneros e formatos. Nesse sentido, é interessante também perceber como o “ex que é um espião” tem importância quase nula tanto para o filme quanto para Audrey, já que ela jamais parece realmente se importar com ele para além da surpresa do término — resultado da maneira simplória com que ele a enxergava. Enquanto isso, uma subtrama romântica de Audrey com outro personagem jamais toma os holofotes, e o novo interesse romântico da protagonista surge justamente quando ela encontra-se mais forte e segura de si.

Assim como o recente A Noite do Jogo, uma das maiores surpresas do ano, Meu Ex é um Espião traz pessoas comuns em situações extraordinárias e realmente explora como civis despreparados se comportariam numa situação dessas. Assim, enquanto um motorista de Uber empolga-se ao ver-se em meio a uma perseguição, Audrey e Morgan aos poucos abandonam o instinto de sobrevivência para dedicarem-se a planos estratégicos. E, enquanto Fogel e Iserson tiram sarro do gênero masculino (a explicação sobre o emprego que Audrey achava que Drew tinha é uma das melhores piadas), o mesmo vale para a amizade da dupla central quando elas, por exemplo, separam alguns minutos em meio à ação para elogiarem uma à outra entusiasticamente. E, aproveitando o cenário europeu, a diretora não perde a chance de brincar com o estereótipo do turista norte-americano.

Dessa forma, apesar de chegar perto de perder o fôlego no final de seu segundo ato, Meu Ex é um Espião é uma produção divertida e que, além de equilibrar-se muito bem entre a comédia e a violência, acerta principalmente no desenvolvimento da dupla central e da amizade entre elas. E que venham mais personagens insanamente excêntricas para a filmografia de Kate McKinnon!


“The Spy Who Dumped Me” (EUA, 2018), escrito por Susanna Fogel e David Iserson, dirigido por Susanna Fogel, com Mila Kunis, Kate McKinnon, Sam Heughan, Justin Theroux, Hasan Minhaj, Ivanna Sakhno, Gillian Anderson, Jane Curtin, Paul Reiser, James Fleet e Fred Melamed.


Trailer – Meu Ex É UM Espião

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