Lost Girls | Não diz nada, só esteriótipos cansados


Lost Girls não nos diz realmente nada sobre essas pessoas, exceto os estereótipos que irá tentar defender em um jogo de cartas marcadas que dizem o seguinte: ninguém liga para as prostitutas assassinadas e por isso as famílias das vítimas devem ser unir por justiça. Esse mantra se repete algumas várias vezes e chega um momento que você acha que deve estar acabando, mas o relógio indica que nem passou meia-hora. E lá vem de novo aquela trilha sonora difícil de engolir.

Geralmente filmes sobre serial killers são muito bons. Eles focam no que chama nossa atenção, sobre a natureza humana e a crueldade. Há também os que são sobre a história da investigação, ou da “desinvestigação”, quando o tema é a (frequente) incompetência policial. Thrillers e policiais sobre assassinos em série costumam pelo menos entreter.

Até comédia, eventualmente. Porém, dramas puros costumam ser bem complicados. É comum encontrarmos personagens mal construídos, e o elenco sofre para torná-los multidimensionais, dizendo falas que nunca poderiam ser pronunciadas por um ser humano real. Há também muito exagero no tom, com trilha sonora melancólica e aquele céu cinzento de uma chuva que nunca passa. Desnecessário dizer, nem o cinza do céu, nem a música triste costumam ter muita relação com a história. É material técnico para o gênero e produto da alienação de cineastas, mais preocupados em gerenciar um projeto do que fazer arte.

A cena mais patética de Lost Girls é quando as mães adentram no condomínio onde supostamente ocorreram os crimes. De mãos dadas e abraçadas, a diretora Liz Garbus demonstra não ter medo de clichês em seu primeiro longa-metragem que assume a direção. Nem de clichês, nem do vexame e da vergonha alheia. A mistura entre câmera lenta com raios de luz e uma música solene transformam essa auto-humilhação no momento mais forte do longa, o que não quer dizer que ele é bom. É forte porque nos impulsiona, nos faz querer parar de assistir, desistir desse ato de paciência que já tem se estendido além do razoável.

O filme se veste de alerta para o mundo sobre o descaso da população, mas afasta seu espectador com tanto despreparo que acaba justificando porque ninguém liga para assassinatos onde as vítimas estão “à margem da sociedade”.

O anúncio inicial do filme, “baseado em crimes ainda não-solucionados de mais um serial killer americano”, é o que vai drenar o que resta de suas esperanças de um final satisfatório. Não que filme inconclusivos não possam ser bons. Há ótimos filmes com finais assim, e Memórias de Um Assassino e Três Anúncios para um Crime são apenas dois ótimos exemplos. Porém, Lost Girls está longe de figurar nesta categoria.

O desaparecimento de uma prostituta bipolar doada pela mãe de três garotas dá início a uma investigação que você sabe que não vai terminar bem. Para ficar mais dramático, poderiam ter adotado um cachorro perneta ou caolho se esta fosse uma ficção, mas a vida real dessas pessoas consegue ser ainda mais dramática, e a filha caçula dá sinais de também possuir transtorno psicótico.

Esta é a história de uma mulher pobre que engravida muito cedo (três vezes) com homem (ou homens) que não a merece, o que sequer é citado, pois o filme já começa com a mãe solteira na inevitável situação de ter que trabalhar demais para sustentar a família. Inevitável porque estamos em 2010, logo após uma crise financeira catastrófica, mas ao mesmo tempo desejável pelos produtores do filme, já que este é um prato cheio para a cartilha social vigente (e irrelevante) sobre os gêneros, classes e etnias oprimidos pelo sistema. Quer dizer, gêneros e classes apenas.

A fotografia triste, a trilha sonora exagerada e os planos-detalhe que significam muito pouco para merecer alguma análise, como uma caneca sendo empurrada em direção à heroína como uma forma de intimidação, são os elementos repetidos até cansarmos em um filme que anda em círculos sobre o mesmo universo de dor, sofrimento e desilusão. Embora não estejamos sentindo nada, pois é impossível se relacionar com as pessoas desse filme. No fundo entendemos (embora não compactuemos com) o descaso das autoridades para com cidadãos tão apagados e esquecíveis.

O que já era ruim fica ainda pior quando resolvem colocar mais mulheres no elenco. Quando chegam as familiares das outras vítimas elas preparam uma vigília e montam o pequeno circo para a mídia. O mais curioso é que a protagonista ameaça o investigador em ir na mídia caso ele não faça seu serviço, mas ao mesmo tempo critica a abordagem usada pelo telejornais ao retratarem sua menina como prostituta, profissão que ela exerceu. Não é possível entender o comportamento passivo-agressivo com a imprensa.

Liz Garbus trabalha mais na produção de filmes de cunho social, mas ela estreia aqui em uma direção fraca e perdida, cuja competência sobre a ferramenta cinematográfica repousa no “como”, mas carece de um “porquê”. Roteirizado por uma dupla de iniciantes, Lost Girls exige muita paciência do seu espectador em acompanhar personagens genéricos e esquecíveis e sem a mínima empatia. Em uma bagunça ideológica não sobra um indivíduo interessante para contar a história.

Acompanhamos representantes de um movimento que não queremos fazer parte. Quando algo impactante acontece com alguém no filme, temos que pensar em situações semelhantes da vida real para projetarmos nossas emoções, pois o filme mesmo não nos entrega nada para nos envolver.

A linguagem do Cinema pode ser grandiosa quando o espectador se sente no drama e na história. Fica particularmente inesquecível quando os personagens são ricos em características, mesmo que imperfeitas, pois assim como todos nós. Mas em Lost Girls não existe ninguém assim. Só há meras caricaturas de uma das inúmeras séries policiais que saem no streaming e, sabe-se lá o porque, fazem sucesso. Nos induzindo ao sono várias vezes, não importa o que vai acontecer em seguida, pois não há ninguém no filme com que nos preocupemos. Esse é o pior drama possível de acompanhar, pois espera que o espectador faça todo o trabalho de se relacionar com a história.

O investigador interpretado por Gabriel Byrne é uma sombra do que o ator foi em obras como Os Supeitos, o de 95 de Bryan Singer, ou até um thriller de terror obscuro de 99 chamado Stigmata. Ele envelheceu mal e perdeu o magnetismo em seu olhar blasé, que simplesmente não cabe aqui. Ele é mais um espectador do jogo político que espera conseguir manter seu cargo o maior tempo possível, que não parece ligar em estar cercado de policiais incompetentes, nem de se aposentar com nenhuma honra. Porém, por não enxergarmos qualquer motivação no personagem de Byrne ele também vira um representante genérico do mal, da passividade ou de qualquer outro traço que os que defenderiam este filme podem apontar os dedos.

Liz Garbus olha para esse material escrito pelos dois roteiristas e não tem a mínima ideia do que fazer com esses personagens, exceto encaixá-los nos efeitos narrativos que aprendeu na faculdade. Porém, não é a técnica que faz o filme, e sim um coração. Seja ódio, amor ou nojo.

Qualquer sentimento um pouco menos burocrático do que um esquema de acontecimentos sendo jogados na tela já serviria. Liz parece nunca ter vivido nada semelhante, nem pesquisado a respeito. É uma direção tímida que se esconde atrás de uma estilização cansativa e uma fotografia cinzenta completada por uma trilha sonora pedante.

Qual o nível de envolvimento que uma direção como essa gostaria de seu espectador? Um trabalho burocrático e preguiçoso desse mereceria pelo menos que fosse mais breve que uma hora e meia.

Fic ainda uma impressão de desperdício do elenco, incapaz de aumentar a profundidade do que lhe foi entregue, atrizes como Amy Ryan (Birdman) ficam completamente perdidas, andando em círculos, em busca de um motivo para conseguir fazer o seu trabalho. É triste que apenas falas de série de TV lhe são entregues, que nada melhor explorado desse caso real seja trazido à tona.

O vazio emocional de Lost Girls é tão grande que há um momento que paramos de buscar suspeitos entre as investigações amadoras da heroína e começamos a aguardar o final do filme, a única escapatória possível desse intricado jogo de nadas.


“Lost Girls” (EUA, 2020), escrito por Robert Kolker e Michael Werwie, dirigido por Liz Garbus, com Amy Ryan, Thomasin McKenzie e Gabriel Byrne.

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