Legalize Já Filme

Legalize Já! Amizade Nunca Morre | Ainda soa provocador


[dropcap]Q[/dropcap]uase trinta anos após iniciado um movimento artístico liderado pela banda Planet Hemp, Legalize Já! Amizade Nunca Morre ainda soa provocador. Extraído de um momento na história do país onde política e alienação andavam de mãos juntas, a mini biografia de Marcelo D2 e Skunk é muito mais sobre uma amizade inusitada do que uma crítica social.

Mas claro que nos tempos atuais a roupagem do filme vai tentar de todas as formas ser uma crítica social. O que me dá muita preguiça, pois repete mecanicamente a mesma fórmula da dualidade opressão/oprimido que é alimentado pelo sistema, algo já utilizado em centenas de trabalhos semelhantes. Essa realmente não é a parte boa da história. A parte boa mesmo é a amizade natural entre esses dois jovens.

Skunk é um negro vindo do microcosmos artístico da contracultura, inspirado por bandas que cantam suas mágoas de crescer em um ambiente sem oportunidades de viver de sua arte. (O irônico aqui é que essas bandas, ao se tornarem influenciadoras, passam a literalmente viver de sua arte.) Skunk é uma força da natureza que dá seus últimos suspiros na Terra. Tendo AIDS na década de 90 e se recusando a tomar seus remédios, o espectador já sabe o que esperar: este será o mártir da história.

Justamente por isso sua caracterização no filme é iconográfica demais. Interpretado com uma naturalidade ímpar por Ícaro Silva, que sintetiza uma figura indignada com a sociedade e fazendo valer suas ideias em fitas K7 que distribui aleatoriamente entre a multidão, não sabemos muito sobre sua vida, nem seus pecados, nem seus desejos. Exceto um: depois de topar acidentalmente com Marcelo (uma cena em paralela empolgante), torná-lo o bastião das boas novas da música de revolta no cenário brazuca. É estiloso, ele se veste bem, mas algo soa falso nesse personagem da vida real que sempre é abordado pela polícia e tem suas fitas jogadas no chão. Importante lembrar que o DJ que vive andando por aí espalhando suas fitas é tão clichê que já nos anos 90 era batido. Nem por isso a atuação de Ícaro se torna menos interessante.

Já Marcelo, como não poderia deixar de ser, partindo de um argumento do próprio Marcelo D2 que levou à produção do filme, é um herói anti-establishment. Vive na casa do pai, mas logo terá que seguir o próprio rumo, pois sua namorada está grávida e eles precisam do dinheiro para abortar, e é curioso notar como Legalize Já! passa longe dessa outra atividade considerada crime ainda hoje em solo nacional. Enquanto Ícaro convence com a aparição misteriosa de Skunk, Renato Góes parece levar a pior, pois precisa viver um personagem que é muito mais ele apenas quando está cantando. Na maioria do tempo ele é um cidadão anônimo em busca do seu lugar ao sol.

Legalize Já Crítica

Se Skunk parte de uma fábula do negro injustiçado, Marcelo tem poucas chances de ter seu drama levado a sério. Seu maior sacrifício na vida parece se sujeitar a trabalhar de vendedor em uma loja de eletrodomésticos. Bom, se considerarmos que na loja as músicas escolhidas para entreter o cliente são “na boquinha da garrafa” e similares, hits dos anos 90, talvez o filme tenha seus motivos para dramatizar a rotina sufocante de Marcelo, que já escrevia suas letras de revolta há um tempo.

De qualquer forma, o melhor no filme continua sendo a amizade desses dois. Não há tensão suficiente para construir outra narrativa mais poderosa enquanto os dois conseguem criar uma dinâmica que mantém, sob o som de suas obras, um ótimo panorama do que era viver de maneira crítica na primeira década de reabertura do país.

Ainda assim, o filme tenta traçar seu tom realista e dramático através das cores drenadas em uma fotografia pálida e chapada. Quase preto e branco. Mensagem subliminar ou uma forma elegante de criar enquadramentos granulados e evocativos de uma vida sem esperança de melhora?

Note como o uso do enquadramento, por exemplo, coloca Marcelo como um cara minúsculo em frente a uma paisagem urbana que intimida e aliena, ou como Skunk vira mais um artefato em meio a pôsteres da casa de shows underground Garage, para através do zoom virar personagem principal, como se ele próprio fosse o próximo pôster a ser pendurado na parede como uma lembrança saudosa.

Filmes de bandas sempre possuem a vantagem da trilha sonora e da dinâmica do vídeo clipe. Aqui não é diferente. Com o adendo da amizade dos dois. Isso é suficiente para assistir esse filme se você for fã, e um motivo razoável se aprecia biografias de bandas. Para o resto, quem não curte uma viagem temporal regada a maconha? Apenas as autoridades ainda não perceberam.


“Legalize Já! Amizade Nunca Morre” (Bra, 2017), escrito por Felipe Braga e L.G. Bayão, dirigido por Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, com Renato Góes, Ícaro Silva, Marina Provenzzano.


Trailer – Legalize Já! Amizade Nunca Morre

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