Legado nos Ossos | “Filme de aeroporto”


[dropcap]E[/dropcap]xiste um tipo de literatura chamado “airport books”, algo como “livros de aeroporto”. Eles não envolvem aviões e voos, mas sim mistérios e um ritmo frenético que mistura uma leitura rápida com bastante ação. Tudo isso em doses suficientes para entreter o leitor durante uma viagem. Legado nos Ossos é um “filme de aeroporto”.

Na verdade, ele é o segundo volume de uma série de livros de suspense que tem foco na investigadora Amaia Salazar e alguns mistérios ligados à sua cidade natal, Baxtan. A série é escrita pela escritora espanhola Dolores Redondo e o primeiro livro, o Guardião Invisível, foi lançado em 2009. Legado nos Ossos”, de 2015 é o segundo e foi um best seller na Espanha.

Para quem quiser ver o começo da história, Guardião Invisível também já virou filme e pode ser conferido na Netflix, assim como Legado nos Ossos que chega agora à plataforma de streaming. Mas não se preocupe se quiser pular direto para o segundo, ele fica em pé sozinho e acaba sendo um passatempo bem interessante. Como um “livro de aeroporto” deve ser.

A existência do filme e do livro é clara, vem na esteira do sucesso da série sueca Millenium, portanto é possível esperar o mesmo clima de investigação onde o passado se mistura com o presente e uma referência histórica ajuda a apontar o rumo da trama. Assim como o ritmo frenético e a sensação de que não param de acontecer coisas que constroem essa trama misteriosa e que vai guardar algumas surpresas para o final… quando você puder respirar.

No filme a heroína investigadora Amaia Salazar (Marta Etura) precisa desvendar um misterioso crime em uma igreja ao mesmo tempo que entender a razão de um assassino confesso ter se matado e deixado um recado “Tartallo”. Salazar ainda está perto de dar à luz e isso acaba a levando para sua cidade natal, Baxtan, lembrada em um prólogo que acontece em 1611 e que acompanha um parto em tempos de inquisição e bruxas sendo queimadas no horizonte.

O visual desse primeiro momento já demonstra o quanto Legado nos Ossos não é mais um pequeno filme feito a toque de caixa, a recriação de época é caprichada, a fotografia cheia de personalidade e as composições precisas e bonitas. O esforço estético se estende para o presente, assim como a óbvia preocupação em criar um filme que não deixe o espectador órfão desse clima pesado, sépia e onde as sombras parecem sempre avançar na ação. Uma história sombria por definição e que mantém essa ideia visual.

Isso fica ainda mais tenso com uma trilha sonora eficiente e cheia de violinos gritando na noite com em um bom e velho thriller de suspense. Em resumo, tudo em volta da história ajuda à trama, e por mais que ela descambe um pouquinho na hora de tentar abraçar o mundo, o clima bacana compensa e a jornada chega até o final sem muitos solavancos.

Legados nos Ossos é um daqueles filmes sem respiro. Cada cena, cada linha de diálogo, cada centímetro daquela experiência, tudo parece ter uma dica para construir esse mistério que passa tanto por um “quem é o assassino?”, quanto por um “o que raios está acontecendo?”. Em certo momento ainda é possível que venha à cabeça um “onde tudo isso vai parar?”, mas no final tudo se amarra direitinho e o espectador é quem sai ganhando.

É lógico que por ser o meio de uma trilogia, alguns detalhes acabam ficando meio perdidos, como o contato da investigadora com um “conselheiro” americano, ou até a relação dela com as irmãs, mas nada disso atrapalha o andamento da trama para quem cair de para quedas diretamente nesse segundo filme. Ainda mais quando a trama não tem tempo para perder com nada disso.

Não existe muito respiro para nada em Legado nos Ossos, já que a trama empilha uma quantidade divertida de referências e possibilidades. De um padre buscando a “essência do mal” até aquele monte de coincidências que embaralham as investigações e apontam tudo para um mesmo lugar, nesse caso, um lugar cheio de irmãos gêmeos escondidos, bruxaria, inquisição, maldições, pentagramas, um serial killer, nomes escritos com sangue, mitologia grega, um suspeito de três dedos, um gringo que já viu muitos filmes de suspense, sacrifícios de recém-nascidos, muita chuva e, é claro, Opus Dei.

Portanto, não se preocupe em respirar enquanto tudo isso é jogado em sua cara em uma trama ágil e que acaba com o fôlego de qualquer um. Exatamente como um “livro de aeroporto” deve ser.


“Legado em los Huesos” (Esp, 2019), escrito por Luiso Berdejo, à partir do livro de Dolores Redondo, dirigido por Fernando González Molina, com Marta Etura, Nene, Leonardo Sbaraglia, Imanol Arias, Benn Northover e Itziar Aizpuru.


Trailer do Filme – Legado nos Ossos

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