Irmã | Mistura tudo e não chega a lugar nenhum


Irmã insere um contexto de ficção científica com toques de terror na história de duas irmãs lidando com a doença terminal da mãe — entretanto, ainda que a força brutal de ambos os aspectos gera alguns poucos momentos inspirados, esse pano de fundo pouco faz para justificar sua inserção. Dessa forma, apesar de acertar na construção do relacionamento e da dinâmica entre as duas personagens centrais, o longa parece não ter muito a dizer (e a não saber exatamente como dizer o resto).

Ana (Maria Galant) leva sua irmã mais nova, Júlia (Anaís Grala Wegner), de Porto Alegre para uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul em busca do pai das duas (Felipe Kannenberg). Ele jamais foi um pai presente, mas Ana tem seus motivos para precisar dele nesse momento em que a mãe das garotas se encontra em seus últimos dias de vida.

Diante desse reencontro com o pai e às novas dinâmicas decorrentes disso, Ana e Júlia também se veem diante da necessidade de reestruturar o próprio relacionamento entre elas: quando Ana se recusa a deixar Júlia ir com ela a um bar, por exemplo, a garotinha exclama para a irmã mais velha: “Você não manda em mim”. Em meio a isso, o pai tenta exercitar alguma autoridade sobre as duas, especialmente a pequena Júlia, mas Ana prontamente se estabelece como a real figura de responsabilidade sobre a irmã mais nova.

E é tocante ver a influência da educação da irmã mais velha em Júlia, como quando a menina questiona noções machistas como “a busca pelo príncipe encantado” ou a mulher que passa seus dias “cuidando da casa e do marido”; o questionamento dela — “Mas ela não gosta de fazer mais nada?” — surge de forma espontânea e representa bem a forma cuidadosa e crítica com que Ana faz o melhor que pode para cuidar de Júlia e transmitir seus valores a ela.

É uma pena, porém, que essa força de Irmã seja prejudicada por uma tentativa dos diretores Luciana Mazeto e Vinicius Lopes de inserir no longa momentos que eles aparentemente acham que surgem como profundos e lúdicos, mas que na verdade apenas atrapalham o que o filme tem de melhor. Quando Júlia conta ter passado batom vermelho “para engolir o mundo” ou quando os cineastas gastam longos minutos de projeção para exibir um plano repetitivo e sem graça das garotas brincando debaixo de um lençol, a impressão é que Mazeto e Lopes criaram momentos bonitos (que nem são tão bonitos assim) apenas para serem bonitos.

Essa escassez de significado também está presente no contexto apocalíptico de Irmã: um asteroide está prestes a cair na Terra e, ainda que ele não vá destruir toda a vida no planeta, “o que sobrar vai ter que arrumar outro jeito de sobreviver”, como conta Ana. A frase obviamente se conecta ao destino das próprias irmãs, mas é um dos poucos momentos em que a presença iminente do asteroide se justifica: acontecimentos como a aparente loucura de diversas mulheres pelo país, supostamente causada pelo asteroide, simplesmente não chegam a lugar nenhum.

Assim, Irmã tem na relação entre as personagens centrais e na batalha delas por se reencontrarem durante e depois de uma tragédia pessoal sua grande força, mas desperdiça isso ao gastar a maior parte de seu tempo em imagens e situações vazios de significado.


Irmã (Brasil, 2020), dirigido por Luciana Mazeto e Vinicius Lopes, com Maria Galant, Anaís Grala Wegner e Felipe Kannenberg.


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