High Flying Bird | Soderbergh se desafia mais uma vez


[dropcap]E[/dropcap]xistem cineastas que simplesmente não conseguem permanecer sentados em suas famas. Como se precisassem sempre provar suas capacidades, mesmo que ninguém mais tenha dúvidas disso. Steven Soderbergh tem um currículo que poucos cineastas de sua geração têm, mas mesmo assim, se desafia a fazer coisas como High Flying Bird.

O ganhador do Oscar por Traffic já tinha aceitado o desafio de “filmar” com um iPhone no competente, claustrofóbico e alucinante, Distúrbio, usando a estética da profundidade de campo infinita para distorcer a realidade ao redor da personagem. Uma decisão que casava com a ideia geral. Mas agora, em High Flying Bird, manter a mesma decisão técnica demonstra o quanto é preciso se desafiar para se manter no topo.

O filme não tem absolutamente nenhuma semelhança conceitual com seu suspense anterior, na verdade, Soderbergh vai até Doze Homens e um Outro Segredo e alguns trabalhos seus mais antigos como Sexo, Mentiras e Videotapes e Full Frontal para acompanhar alguns dias da vida desse empresário de um jogador de basquete estreante na NBA que precisa enfrentar uma greve da liga enquanto tenta garantir o contrato de seu cliente.

O empresário é vivido por André Holland (de Moonlight) e o que Soderbergh faz na maioria do tempo é observar seus encontros com personagens enquanto nada parece estar acontecendo para a trama, até que uma pilha de situações culminam em um clímax que desestabiliza todo “status quo” do filme e faz com que o espectador perceba que estava olhando para o lado errado, como em um número de mágica (ele faz o mesmo em Doze Homens e um Outro Segredo).

Mas quem escreve o roteiro de High Flying Bird é o ganhador do Oscar por Moonlight, Tarell Alvin McCraney, que consegue montar um filme onde os diálogos e a verdade de seus personagens estão sempre sendo colocadas em jogo como uma batalha em cada cena. Talvez a metáfora melhor seja um grande jogo de xadrez onde ninguém está entendendo o que o jogador está fazendo, até o xeque-mate.

Para que isso funcione, esses diálogos não se percam no vazio, entra em cena aquela vontade que todos em Hollywood parecem ter de trabalhar com Soderbergh (como em Full Frontal). É lógico que estamos falando de uma produção da Netflix, então nada de Julia Roberts, mas High Flying Bird tem em seu elenco gente que já provou sua capacidade, como Bill Duke e Kyle McLachlan, enquanto junta alguns dos principais destaques de uma nova realidade de Hollywood.

Sonja Sohn é uma cara comum na TV de produções que vão de The Wire até Star Trek: Discovery; Melvin Gregg vem de participais na incrível Vândalo Americano e na queridinha da TV americana, Unreal; e Caleb McLaughlin de Stranger Things, tem um papel pequeno, mas demonstra o quanto é firme. Sem contar, é claro, Zachary Quinto (que está lá em duas cenas, só para escutar, mas funciona) e a incrível Zazie Beetz (da série Atlanta e do segundo Deadpool), que tem de tudo para se tornar uma estrela de Hollywood.

Resumindo, um elenco incrível que faz com que o roteiro ganhe ainda mais vida e firmeza. Sobraria para Soderbegh “deixar câmera rolando” e aproveitar tudo isso. Mas, felizmente, não é isso que acontece. Munido da portabilidade desse celular, o diretor parece explorar cada cantinho, ângulo e possibilidade que surge em cada cena. E não parecem existir regras para montar o visual desse filme. O resultado é um verdadeiro desafio visual.

Sua câmera (ou seu celular, o que preferir!) quebra o eixo para demostrar o quanto um lado está “ganhando” em uma conversa, assim como vai montando esse mosaico de visões do personagem como se tentasse mostrar todas nuances de sua expressão enquanto ele escuta sentado o monólogo da mãe de um jogador de basquete. Soderbergh te obriga a tentar entender o que cada posicionamento de câmera quer dizer e parece sempre ter o controle total daquela composição.

E isso não é uma impressão, por mais que a evolução dos aparelhinhos que serviam para telefonar cheguem longe, certos apuros técnicos ainda são impossíveis de serem reproduzidos no lugar de uma “câmera de verdade”. Portanto, para Soderbergh fazer essas dificuldades diminuírem, é preciso ter o controle total do que fazer, principalmente em termos de fotografia (que também é feita por ele), quanto na quase incapacidade de fazer certos movimentos com o celular que prejudicariam o resultado final.

Em outras palavras, fazer High Flying Bird com um celular é um trabalho para poucos. Produzir esse filme com um iPhone enquanto faz isso parecer ser feito por uma câmera profissional é mais impressionante ainda.

Steven Soderbergh sabe disso e parece fazer com que essa vontade de se reinventar seja sua marca registrada e continue fazendo com que ele seja apontado como um dos maiores cineastas de sua geração. Mas não por Traffic e 11 Homens e um Segredo, sentados em uma pilha de dinheiro, mas por conseguir fazer Hight Flying Bird, com um celular e um elenco saído da TV ser um filme tão impressionante quanto esses dois.


“High Flying Bird” (EUA, 2019), escrito por Tarell Alvin McCreney, dirigido por Steven Soderbergh, com André Holland, Melvin Gregg, Zazie Beetz, Bill Duke, Zachary Quinto, Sonja Sohn e Kyle Maclachlan.


Trailer do Filme – High Flying Bird

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