Halloween: A Noite do Terror | #002 | A máscara sem face do terror

Se tornar um clássico não é para poucos. Halloween conseguiu fazer isso com uns 320 mil dólares no bolso, muita força de vontade e um cara que mudaria um pouco da história do cinema.

O tal “cara” era John Carpenter, um jovem cineasta que no final dos anos 70 tinha dirigido o cult sci-fi Dark Star e a ação policial Assalto ao 13° DP, que pouca gente tinha visto, mas tinha feito um relativo sucesso nos circuitos alternativos, principalmente depois que a crítica especializada europeia rasgou elogios pelo filme.

Irwin Yablan foi um desses poucos que se empolgou com cerco dos policiais por um grupo de bandidos, e ainda no começo de sua carreira como produtor enxergou em Carpenter a oportunidade de dar vida para uma ideia meio doida que tinha nascido em sua mente. E nesse momento nascia Halloween.

Na verdade, logo de cara nascia “The Babysitter Murders”. Uma ideia de fazer um filme de terror que fugisse do trash e fosse mais em direção ao então recente sucesso O Exorcista. Para a sorte de todos, Yablans teve a ideia de espremer toda trama do filme durante o feriado de Dia das Bruxas, e para sua surpresa, como ele aponta no documentário Um Corte Acima de Tudo, nunca o cinema tinha usado o nome “Halloween” em seu título.

Carpenter e sua parceira Debra Hill escreveram então um roteiro em 10 dias enquanto aceitavam a completa loucura de filmar Halloween em quatro semanas com aqueles poucos dólares no bolso. Carpenter receberia dez mil dólares e ainda mais 10% da bilheteria do filme, com a certeza absoluta que acabaria não vendo dólar nenhum vindo dos tickets nos cinemas.

A trama contava a história de Michael Myers, um garotinho que em 1973, durante a noite de Halloween, assassina a própria irmã e acaba internado em uma instituição. A história pula então para 1978, quando ele consegue fugir do lugar e “voltar para casa”, o problema é que nesse caminho acaba “encontrando” a jovem Laurie (Jamie Lee Curtis), que nem imagina que sua noite de Halloween se tornará um inferno.

E que a história do cinema estava sendo contada.

Mais uma cena do chuveiro

Carpenter via ali a possibilidade de levar de volta ao cinema o legado de Hitchcock e seu Psicose, que para muitos pode ser apontado como o primeiro slasher do cinema. Halloween abre então com um grande plano sequência (ok, tem dois cortes escondidos) que culmina com um assassinato que praticamente emula a famosa cena do banheiro do “Mestre do Suspense”, a câmera subjetiva só enxerga a faca atacando sua vítima sem que ela nem bem encoste nela.

O círculo se completa com a presença de Jamie Lee Curtis, que ainda sem ter sido a primeira opção de Carpenter para o papel, parecia ter nascido para ele, já que é a segunda geração de uma família de estrelas de Hollywood. De um lado, Tony Curtis, mas mais importante, do outro, Janet Leigh, a própria Marion Crane assassinada por Norman Bates ao final do primeiro ato de Psicose.

Halloween Filme

A jovem atriz recebeu oito mil dólares por seu primeiro trabalho de destaque em Hollywood e, muito provavelmente nem por um segundo imaginou que se tornaria um ícone para o gênero tão grande quanto sua mãe tinha sido. Laurie se torna a primeira “Scream Queen” do cinema, uma variação da “Final Girl” do gênero, que já tinha sido eternizada desde O Massacre da Serra Elétrica quatro anos antes. Aqui, Curtis vivia a mocinha perfeita, que tosse ao tragar a maconha, tem vergonha dos meninos, faz questão de levar a abóbora para a criança que vai cuidar e é aquela amiga leal que não se importa de corroborar com as mentiras das amigas para que elas deixem seus hormônios falarem mais alto.

Laurie é a heroína dos bons costumes, e a partir daquele momento trazia as características necessárias para sobreviver dentro do gênero. Melhor ainda, só todo esse peso moralista daria a elas força suficiente para reagir e atacar o agressor. Derrotar o mal. A moralidade de Laurie a faz até largar a arma de Myers por duas vezes ao se enxergar monstruosa com ela nas mãos.

Perguntado sobre a responsabilidade dessa analogia dentro do gênero, o próprio Carpenter desconversa e diz nunca ter pensado nisso, nessa “moralidade cristã”, mas sim na descoberta de Laurie da sua possibilidade de reagir. O diretor cita uma espécie de “vingança do oprimido”, já que em situação nenhuma qualquer um apostaria suas fichas na mais frágil das personagens.

Uma explicação que pode parecer desconversa, mas bate de frente com o cerne do roteiro de Carpenter e Hill em uma espécie de busca por retratar uma geração de pais ausentes e famílias que fugiam das grandes metrópoles em busca da segurança dos subúrbios americanos. Um verniz que quando descascado mostrava feridas abertas e uma hipocrisia que marcava uma sociedade inteira. Uma América que prefere apagar a luz e fechar a janela ao invés de atender uma jovem pedindo socorro.

Michael “Kirk” Myers, não só um corpinho bonito

E a maldade que rasga essas feridas é Michael Myers, que nasce da imaginação do espectador diante da subjetividade da câmera de Carpenter até personificar tudo isso através da famosa máscara sem expressão. A tal máscara custou pouco menos de dois dólares, foi comprada em uma loja qualquer e na verdade era a cara do eterno Capitão Kirk, William Shatner, bastou um corte nos olhos, um pouco de tinta branca e uma aparadinha nas costeletas.

Quem olha essa maldada nos olhos e enxerga isso é o psiquiatra Sam Loomis, vivido por Donald Pleasence, que acabou ganhando o papel depois que dois ícones do terror, Peter Cushing e Christopher Lee, não aceitaram o papel pelo pouco dinheiro (20 mil dólares). É Loomis (que tem o nome saído de dois filmes de Hitchcock) quem descobre a fuga de Myers e parte em busca dele em sua cidade natal. É o médico quem resume todo perigo dele com uma única frase: “A maldade fugiu” (“The evil is gone!”).

Halloween Filme

Loomis quase nunca se refere a Myers como “ele”, mas sim sempre tenta aponta-lo como “aquilo” ou “algo”. Por trás daqueles olhos, Loomis “só vê o mal” e o roteiro de Carpenter constrói esse homem como uma espécie de criatura sem vida, somente ódio. Cada frase do personagem de Pleasence é o pedaço de mosaico assustador. Nas últimas frases do filme, Laurie questiona ele se “aquilo era o Bicho-Papão (Boogieman)” e a resposta dele é seca: “Na verdade, era”.

Mas mais impressionante que isso é a ideia de Carpenter de não criar um assassino acéfalo como o Letterface de Tobe Hooper ou os vindouros Jason e suas copias, Myers é uma força da natureza racional, meticuloso e que parece saber exatamente que passo dar em cada momento. Aterroriza Laurie com sua presença quase fantasmagórica. Ao mesmo tempo, observa sua vítima pendurada na parede como se apreciasse uma obra de arte, além de deixar seu sadismo extrapolar os limites do bom humor e se fantasiar de fantasma antes de matar uma das amigas de Laurie. Myers enfim coloca todas suas vítimas em uma espécie de diorama mórbido para assustar Laurie.

Porém, quando perde sua máscara, a face que aparece é quase angelical. Não um monstro deformado, mas sim um ser humano tomado pelo mal e pela violência. Seu desespero para voltar a cobrir essa fragilidade é na verdade o espaço necessário para seu final trágico. Seu corpo então some, mas sua respiração continua ecoando enquanto Carpenter passeia pelos cenários do filme, diante do olhar perdido do Dr. Loomis. Como se ambos soubessem que o mal não acabou com aqueles tiros, mas sim ficará pairando por ali eternamente presente. Realmente o mal nunca morreu, e ganhou mais sete sequências e um mais desastroso ainda reboot.

Um legado sem face

Mas ainda que Michael Myers tenha se tornado um dos maiores serial killers do cinema e Jamie Lee Curtis virado uma das maiores personalidades do gênero, o grande responsável por Halloween é mesmo John Carpenter.

Além de conseguir criar um clássico do cinema com uma equipe formada por um punhado de pessoas, Carpenter ainda mudou a história do cinema em termos técnicos e narrativos. Seus planos longos só foram possíveis graças ao incrível uso das steadicams, aparato que acoplava a câmera ao corpo do cinegrafista e permitia que ele caminhasse pelo cenário sem o uso de trilhos. A tecnologia já tinha sido usada dois anos antes em Rocky – Um Lutador, mas é seu uso com câmera subjetiva e na velocidade com que é manejada que cria um divisor de águas no gênero. Tempos depois Stanley Kubrick leva a mesma ideia a outro patamar em O Iluminado e Sam Raimi aproveitou essa subjetividade para economizar um dinheirão em seu clássico cult A Morte do Demônio.

Halloween Filme

Carpenter ainda usa essa mesma câmera em primeira pessoa para colocar o espectador no papel da vítima, criando uma ligação ainda maior entre o espectador e Laurie. E colocar você no escuro do cinema (ou de sua sala) na pele da vítima desse massacre é só um dos incontáveis legados que Halloween deixou para o gênero.

O filme com seus 300 mil dólares gastos (mais 20 mil para Pleasence) rendeu estratosféricos 47 milhões só dentro dos Estados Unidos (chegando a 70 milhões pelo mundo), se tornado uma febre nos cinemas durante o período de estreias, já que suas copias não chegaram aos cinemas em circuito maior, mas sim chegando aos cinemas estado por estado. Um esforço de lançamento que, justamente, refletiu o quanto o filme foi completamente ignorado pelos grandes estúdios de Hollywood.

Mas Halloween criou o gênero slasher do modo como conhecemos hoje, e seu sucesso foi tanto que obrigou os “donos do dinheiro” em Hollywood a gastarem muitos de seus dólares para criarem copias e versões do gênero. Mas não se enganem, só um deles é original e mudou completamente a história do cinema.

Confira os filmes da coluna 666 Filmes de Terror


“Halloween” (EUA, 1978), escrito por John Carpenter e Debra hill, dirigido por John Carpenter, com Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence, P.J. Soles, Charles Cyphers, Kyle Richards e Nick Castle.


Trailer – Halloween: A Noite do Terror

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