EU Só Posso Imaginar Filme

Eu Só Posso Imaginar | Não sabe direito o que fazer com sua veia cristã


[dropcap]A[/dropcap] primeira vez em que escutei a canção “I Can Only Imagine”, da banda cristã MercyMe, foi na noite anterior à sessão para a imprensa de Eu Só Posso Imaginar. Se você, como eu, também não é familiarizado com a música ou com os artistas, não se preocupe: os créditos iniciais do filme já deixam claro que ela tornou-se um sucesso estrondoso, pois toda história de superação que se preze termina com fama e dinheiro, não é?

Mas, apesar de questionável, o filme está mais interessado no poder de alcance dessa canção que, aparentemente, passar uma mensagem tão universal que fez com que ela ficasse no topo até mesmo de rádios não-cristãs. E isso… também é bastante duvidoso, já que a música é como uma carta para Jesus escrita por um fiel que fica imaginando qual será sua reação ao encontrá-lo no paraíso. Enquanto isso, a história por trás da canção é realmente mais universal, algo do qual o filme aproveita-se antes de explorar a fé do protagonista com mais força no terceiro ato.

Afinal, filmes religiosos enfrentam o dilema de desejarem levar sua mensagem para todo mundo enquanto só realmente alcançam quem já acredita em tudo aquilo. Obras como Noé, Silêncio e o recente Maria Madalena conseguem isso por não estarem interessados em pregar, mas sim em explorar a fundo os seres humanos por trás dessas histórias. Enquanto isso, este Eu Só Posso Imaginar tenta jogar nos dois times, o que resulta em um retrato raso e forçado de um jovem que tenta livrar-se das amarras do pai abusivo.

O pequeno Bart Millard (Brody Rose) era uma criança imaginativa e que encontrava na música não apenas um passatempo, mas um consolo para a violência e a agressividade do pai, Arthur (Dennis Quaid), que frequentemente declama clichês como “sonhos não pagam as contas!”. As coisas em casa pioram ainda mais quando a mãe de Bart decide deixar o filho e o marido. Na adolescência, o protagonista (agora interpretado por J. Michael Finley) é um astro do futebol no time da escola — assim como seu pai que, anos antes, era um jogador talentoso. Mas, quando Bart machuca a perna durante um jogo e fica impossibilitado de continuar no esporte, ele acaba indo parar no grupo de coral do colégio. A professora logo fica encantada pela bela voz que Bart desconhecia possuir (e Finley é, realmente, um cantor competente; sua voz, diga-se de passagem, é consideravelmente mais agradável do que a do real vocalista da MercyMe).

Depois de se formar, Bart decide sair da cidadezinha em que cresceu e, logo, torna-se vocalista de uma banda cristã iniciante. A partir daí, os diretores Andrew e Jon Erwin e o roteirista Brent McCorkle (dividindo os créditos pelo roteiro com Jon Erwin) dedicam-se ao conflito do protagonista em relação a querer expressar-se por meio da música ao mesmo tempo em que permanece ferido pelo abuso do pai. Isso também reflete-se no relacionamento dele com a namorada, Shannon (Madeline Carroll) – os dois se conheceram na infância e namoraram por todo o ensino médio, mas Shannon termina com Bart quando ele pega a estrada com sua banda. Bart, ainda apaixonado, tenta reconquistá-la; o romance é pouco envolvente, já que Shannon resume-se a uma figura cujo único propósito é inspirar o protagonista.

Os irmãos Erwin adotam uma estrutura “in media res” para Eu Só Posso Imaginar – quando o longa começa, Bart está prestes a contar sua história para uma mulher. “Eu escrevi I Can Only Imagine em dez minutos”, ele declara, ao que ela responde que, na verdade, “demorou uma vida inteira.” O problema é que essa tal “vida inteira” inclui, por exemplo, a fé que Bart encontra ainda na infância, algo que fica claro apenas no terceiro ato – anteriormente, a impressão é de que o primeiro contato mais significativo do jovem com a igreja havia sido na adolescência, quando ele começou a cantar lá.

EU Só Posso Imaginar Crítica

Mais problemática é a forma com que os cineastas abordam a relação de Arthur com sua fé. Quando Bart reencontra o pai, ele está doente e “manso” – não é mais o “monstro” que Bart conheceu a vida inteira, tendo passado por uma transformação gigantesca em um piscar de olhos. O motivo? Ele encontrou Jesus.

Isso não apenas tenta vender a (obviamente, falsa) ideia de que “todo mundo vira fiel quando precisa”, mas também que décadas e décadas de um comportamento abominável podem ser revertidas com pouco esforço (Arthur não faz nada de extraordinário para recuperar o relacionamento com o filho, apenas… se mostra uma pessoa que não age de forma completamente horrível). É claro que essas experiências são verdadeiras para muitas pessoas, incluindo os personagens deste filme que, afinal, é baseado na história de vida de Bart Millard. Entretanto, por meio da abordagem rasa e estruturalmente bagunçada dos irmãos Erwin, o resultado final é insípido e questionável.

O longa, ao menos, não tenta diminuir o impacto que a infância e a adolescência de Bart tiveram em sua vida adulta. No meio de tudo isso, Dennis Quaid é o único ator do elenco que realmente sabe o que está fazendo. J. Michael Finley escancara sua falta de experiência (este é seu primeiro trabalho como ator) o tempo todo, mas possui um carisma que poderia ter sido melhor aproveitado por um roteiro mais competente.

Afinal, este é um daqueles filmes que prefere colocar personagens fazendo declarações sobre as motivações e dilemas do protagonista em vez de realmente construí-lo com essas características – depois de cada apresentação, por exemplo, o empresário da banda (Trace Adkins) está lá para falar todas as emoções que Bart estava sentindo e que atrapalharam sua performance. Para nós, não há diferença entre uma ou outra. Até mesmo a primeira vez em que escutamos “I Can Only Imagine” apresenta uma maior carga emocional não por causa da música em si, mas pelo contexto em que ela é apresentada (e que ainda exclui os companheiros de banda de Bart).

Tentando esconder suas veias cristãs para agradar a um público mais amplo ao mesmo tempo em que deseja assumi-las para atrair a atenção dos fiéis, Eu Só Posso Imaginar é, portanto, uma produção que sabe aonde quer chegar, mas não como.


“I Can Only Imagine” (EUA, 2018), escrito por Brent McCorkle e Jon Erwin, dirigido por Andrew Erwin e Joe Erwin, com J. Michael Finley, Dennis Quaid, Brody Rose, Trace Adkins, Madeline Carroll, Taegen Burns, J.R. Garcia, Jason Burkey, Alexander Dominguez e Nicole DuPort.


Trailer – Eu Só Posso Imaginar

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