Eu Me Importo | Um filme sobre gente ruim


Eu Me Importo é um filme de gente ruim. Simples assim, um desfile de personagens horrorosos fazendo maldade entre si e contra quem aparecer em seus caminhos. Tudo bem, isso pode ser um exagero, já que o traficante russo não machuca diretamente ninguém, mas mesmo assim ele é o vilão, então é fácil imaginar o clima dessa nova produção da Netflix.

Isso não quer dizer que o novo filme de J. Blakeson seja algo tão complicado assim de assistir, tem lá até seu charme e uma história interessante e bem amarradas, mas para quem está esperando qualquer tipo de personagem bonzinho, vai se irritar em cinco minutos e largar o filme de mão. Curiosamente, essa personalidade toda não se mantém até o final e o roteiro opta por uma redenção moralista à lá O Pagamento Final, o que enfraquece demais o resultado todo, além de acabar soando até meio covarde.

Mas isso é lá para o final, antes de tudo você terá que torcer por Marla Grayson (Rosamund Pike), uma mulher especializada em ser guardiã legal de idosos, mas por trás disso encabeça um esquema onde consegue explorar os velhinhos enquanto interna eles compulsoriamente em asilos que também fazem parte do esquema. A ideia é simples, com a desculpa de seus clientes terem que pagar a internação, ela depena eles todos.

Sim, Eu Me Importo te suplica para você torcer por uma personagem que rouba de velhinhos inocentes. Tudo bem, no meio do caminho dela ela acaba tentando engrupir uma senhora, Jennifer Peterson (vivida pela sempre incrível Dianne Wiest), mas isso provoca a fúria de um criminoso barra pesada vivido por Peter Dinklage em uma mistura de “smoothie”, um penteado hipster e uma personalidade violenta e descompensada.

O filme então se desenvolve a partir dessa dinâmica onde a protagonista precisa provar o quanto ela não chegou onde está sem muito trabalho, maldade e absolutamente nenhum jogo limpo, mas que agora terá que enfrentar um traficante violento. Rosamund Pike tira a personagem de letra e constrói essa versão empreendedora de sua “garota exemplar”. O resultado é divertido e hipnotizante, mesmo diante da ausência total de escrúpulos, o espectador sabe que o melhor lugar do filme é ao lado dela. Senão pela segurança, pelo menos pela frieza e coragem.

É lógico que o roteiro, também de Blakeson, vai correr para colocá-la em uma situação onde precisará encontrar o fundo do poço e a fragilidade completa para ressurgir das cinzas e colocar em ação seu plano de vingança que a coloca na posição de heroína, já que encontra gente mais maldosa que ela. Mesmo sem criatividade a estrutura funciona e não deixa o filme se perder tanto quanto poderia.

Blakeson por trás das câmeras ainda consegue criar um filme visualmente interessante e moderno, ágil e limpo, não recorre a um lado muito rebuscado, mas é firme nas cenas e imprime uma objetividade que faz ser fácil acompanhar os personagens nesses duelos de mau-caratismo.

Parte disso funcional, principalmente, pois Blakeson sabe que o filme é de Pike, então ele lhe dá espaço para ela encher a tela de um charme meio absurdo e violento. É óbvio que ela é uma péssima pessoa, mas a atriz faz tudo com uma propriedade tão grande que você se sente atraído por essa ideia de torcer por alguém tão ruim, mas ao mesmo tempo, tão forte. Tão cruel e ao mesmo tempo tão linda e irretocável com o cabelo cortado reto e impecável. Essa “imagem” é ainda o ponto perfeito para que a sua “desconstrução” ao final do segundo ato seja ainda mais visual, o que não soa como uma novidade para quem já viu uma meia dúzia de filmes que te pedem para se apaixonar pelos anti-heróis (e anti-heroínas).

O problema é que isso parece saído do “Manual Preguiçoso De Estrutura Narrativa Dos Filmes Menos Interessantes”. Ao mesmo tempo que Eu Me Importo te pede para quebrar as expectativas e torcer para um personagem com jeitão de vilã, acaba usando os mesmos e cansados subterfúgios de “quebra-la” para que ela tenha a redenção. Não precisava, bastava lhe dar uma pequena derrota para sua personalidade ególatra muito bem construída antes disso lhe mover diante de uma vingança exagerada e eficiente.

Do mesmo jeito que não consegue lidar com o sucesso de sua própria personagem e se dispõe a jogar tudo fora pela própria consciência pesada de autor com medo de “deixar a mensagem errada”. Blakeson destrói o próprio filme por não perceber o quanto é irritante pedir para seu espectador aceitar e se apegar a essa personagem horrorosa só para ver que nada daquilo serviu de nada e o diretor preferiu um final sem graça e sem vontade de ser lembrado.

Eu Me Importo poderia ser um filme sobre gente ruim, uma trama com suas reviravoltas e uma vontade de ser tensa, mas acaba tentando passar uma mensagem que vai contra absolutamente tudo que estava pregando até aquele momento, e isso é uma decepção enorme.


“I Care a Lot” (EUA/UK, 2021); escrito e dirigido por J. Blakeson; com Rosamund Pike, Peter Dinklage, Eliza González, Dianne Wiest e Chris Messina.


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