Editorial de segunda #04

“Lula – Filho do Brasil”, política, religião, bilheterias e o MinC.

por Vinicius Carlos Vieira

E a famosa Comissão escolheu “Lula – O Filho do Brasil” como representante do Brasil na disputa por um lugarzinho no quinteto de filmes estrangeiros que concorrerão à estatueta careca no começo do ano que vem. Talvez não tenha sido a escolha mais apropriada, e dos que eu vi com certeza não é, mas ele tem lá seus porquês de ser escolhido.

O que me assustou, e se tornou o assunto dessa coluna, que primeiramente procuraria entender a indicação, foi a quantidade de comentários no site do MinC (Ministério da Cultura) indo contra a escolha. Como eu já tinha escrito semana passada, a tal da pesquisa online só serviria para o leitor do site (e interessados em geral) reclamar da não escolha dos primeiro colocados. Na verdade a fatídica lista ainda não foi divulgada, mas não deve ter tido muita diferença, “Nosso Lar” em primeiro e “Chico Xavier” em segundo, ambos polarizando a maioria dos votos.

Infelizmente, indo contra todos os comentários, mesmo cheio de falhas “Lula…” sai com alguns corpos de vantagem diante desses dois, principalmente por sua imensa vontade de contar uma história e não vender uma idéia (é nessa hora que talvez eu esteja sendo xingado). A história do retirante que se torna líder sindical e depois presidente é um drama pronto, mais interessante que qualquer ficção (sem desmerecer ou outros dois, que também se apontam como biográficos).

O problema talvez só fique preocupante quando se passa os olhos pelos comentários e se “pesca” expressões como (todas usando Ctrl+C/ Ctrl+V, por isso alguns erros gramaticais permanecem em seus devidos lugares): “preconceito e discriminação”, “pessoas que não sabem diferenciar política de religião”, “fracasso de bilheteria”, “expansão da doutrina espírita”, “O Tiririca achou que pior não ficaria… Ficou!”, “injustiça!”, “A bilheteria comprovará qual o melhor”, “Nenhum dos jurados quiz outro filme?”, “Caminhamos para um regime autoritário”, “Se este filme foi escolhido por ‘experts’, prefiro continuar ignorante…”, “O medo venceu a esperança” e por ai vai.

Os comentários pararam em sessenta, talvez por uma atitude acertada do site que pelo menos privará, assim, seus leitores de tamanha carga de ignorância. Um montante enorme de palavras revoltadas que, claramente, não se dão nem ao trabalho de tentar entender como funciona todo sistema de escolhas, muito menos de tentar separar a razão da emoção. Apontar a qualidade do filme diante de seus números nas bilheterias é somente a ponta de um iceberg de angustia intelectual que recorre a visões religiosas ou políticas para sair de uma situação de pressão. Diante de toda verdade às suas frentes, distribuindo golpes a esmo, cegos pela raiva de não terem sido “escolhidos” para a festa.

Olhar para essa escolha e enxergar qualquer tipo de pretensão religiosa talvez não seja pior que vê-la sob o âmbito político. Acusar a Comissão de interesses escusos beira o non sense, é difícil até criar uma ligação entre eles e qualquer interesse eleitoreiro. Talvez os nove responsáveis pela escolha, indicados tanto pelo próprio Ministério da Cultura, como pela Academia Brasileira de Cinema (ABC) e pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), estejam comunados diante da idéia de fazer dessa escolha um palanque para o presidente Lula? Coisa impensável de se acreditar, já que ficaria difícil entender onde isso levaria, já que se fosse perguntado ao próprio presidente talvez ele optasse pelo filme do Centenário do Corinthians.

É pobre e raso olhar para “Lula – O Filho o Brasil” e ver uma ferramenta de qualquer tipo, já que o desastre do filme, assim como um sucesso caso tivesse acontecido, influenciaria pouco ou quase nada, em sua imagem, ou esses mesmo revoltados do site não tentaram lembrar que somente uma porcentagem ínfima da população brasileira faz do cinema algo corriqueiro, e no caso de uma chegada em Hollywood, tal imagem ajudasse Lula em absolutamente nada. Uma acusação descabida que não só ofende a Comissão, como, mais ainda, coloca em pauta a seriedade de Fábio Barreto, já que nesse caso se resumiria a um qualquer atrás de atenção do governo, o que não faria jus a seus mais de vinte anos de carreira, que inclui até uma certa indicação ao Oscar por “O Quatrilho” (e que a maioria dos “comentadores” não deve nem ter tido o trabalho mínimo de tentar descobrir pelo Google mesmo)

Por outro lado, o pais com mais espíritas do mundo, 1,3% da população de acordo com o IBGE e seu CENSO de 2000, não indicar dois filmes de mesmo cunho religioso, é mais descabido ainda e, provavelmente, colocaria a Comissão como um bando de sociopatas perigosos, que escolheram “Salve Geral” no ano passado por ode ao tráfico e ao crime organizado, e pior ainda, jogando o que nos nomes que escolheram “O Quatrilho”?

Talvez eu tivesse que ter escrito essas linhas todas (que provavelmente não caberiam) no próprio site do MinC, exorcizando minha raiva para cima daquelas opiniões todas e ainda ajudando o coitado do estagiário que tentou responder meia dúzia delas. Isso talvez não diminuísse minha opinião, mas provavelmente a colocaria em um quadro de olhares perdidos sobre um assunto supervalorizado por essas mesmas pessoas que se mostram revoltadas com as escolhas, mas, com quase certeza, durante o resto do ano pouco se importam com os rumos do cinema nacional, nem se deslocam de suas casas para aquele cinema mais longe, onde, em circuito restrito, passou muito mais da metade de todos os concorrentes. Possivelmente, opiniões fortes de um grupo de indivíduos que não sabem o que estão perdendo olhando para o nosso cinema com uma visão muito mais curta que ele mereceria.

No final da contas não é a ida desse ou outro filme que acabou na berlinda, mas sim a possibilidade do indivíduo de criticar o trabalho, não de experts (já que essa denominação precisa de um pouco mais de cuidado na hora de ser usada), mas sim de pessoas, que, no mínimo agem de boa-fé com o cinema nacional, que erraram em sua escolha (na opinião desse que escreve essas linhas), mas por equívocos artísticos, optando por nomes em cartazes (o de Barreto talvez, o de Glória Pires, com certeza, e até o do Lula) e não pelo que está por trás daquele pedaço de papel.

Portanto, merecedor ou não, agora é hora de olhar para frente e torcer para que o nome do Brasil chegue mais uma vez na cerimônia de premiação em Los Angeles, por mais superestimado que isso seja, mas isso é assunto para uma outra coluna, talvez em janeiro quando os cinco concorrentes na categoria de Melhor Filme Estrangeiro serão anunciados para o mundo.

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