Dumbo | Acrescenta, mas já soa como curiosidade estética


[dropcap]A[/dropcap] vida dá voltas. Enquanto o Dumbo de 1941 foi feito como uma tentativa de manter os estúdios Disney de pé durante a Segunda Guerra (conseguiu!), este Dumbo de 2019 surge em um momento em que o próprio estúdio de cinema se assemelha a um elefante depois de adquirir duas franquias de produções caras e com enorme bilheteria (super-heróis da Marvel e neo-nerds do Star Wars).

Diante de um empreendimento pesado demais para decolar, $ua$ grande$ orelha$ tentam agora alçar voo convertendo todo seu legado de animações em produções live-action com o uso dos milagres da computação gráfica.

Se formos falar apenas dos efeitos visuais, Dumbo é um espetáculo de encher os olhos. O Superman de 1978 tinha a pretensão de fazer as pessoas que iam ao cinema acreditar que um homem pode voar. Dumbo nos faz crer que um elefante-bebê com largas orelhas não apenas existe como é capaz de voar como um pássaro.

E ele tem grandes e expressivos olhos também, além de uma pele que é um misto de realismo com fantasia, o que permite que ele pareça exatamente com um elefante de verdade, se um elefante fosse tão expressivo e ágil. Um tanto bizarro, mas doce. Mais realistas são os elefantes adultos do filme, além de serem também paquidermes humanizados, que entram em uma jaula ou em um navio com a pomposidade de verdadeiras damas e cavalheiros.

A história mescla continuação com um remake do original, onde Dumbo é separado da mãe e descoberto em seu circo de origem como uma atração única. O roteiro de Ehren Kruger, que se baseia pela segunda vez no livro de Helen Aberson e Harold Pearl, escala a aventura para o próximo passo, onde o circo familiar chama a atenção dos grandes e é comprado por um deles.

O circo familiar é mantido pelo bem intencionado Max Medici (Danny DeVito) e pelo pai de família e viúvo Holt Farrier (Colin Farrell). O empreendimento maior é o super-parque criado pelo megalomaníaco V. A. Vandevere (Michael Keaton), que reflete sua própria personalidade excêntrica, expansiva e controladora. Vandevere surge como uma caricatura de vilão para servir de contraponto a todos os bem-intencionados personagens circenses, o que inclui sua própria companheira de luxo, a linda acrobata Colette Marchant interpretada por Eva Green. E por trás dos homens que controlam os negócios, DeVito e Alan Arkin, que faz um banqueiro se divertindo com tudo isso, criam os personagens mais complexos do longa (o que já não é grande coisa).

Mas quase ia esquecendo das crianças. Formados pelos filhos de Holt, temos um menino que serve como o lado passivo que quase não fala nem faz nada e sua irmã mais velha Milly, interpretada de maneira completamente apática por Nico Parker, mas com motivo: ela faz uma garota séria e focada, que adora ciência e aplica com a ajuda do irmão o método científico (que nós nunca vemos) para ensinar Dumbo a controlar seu voo. Milly também é responsável por dizer todas as falas óbvias do que está acontecendo na tela na orelha de Dumbo. Aparentemente suas orelhas servem para ele voar, mas não para ouvir melhor.

Com o primeiro e segundo atos sendo um espetáculo visual que nos entretém apenas por estarmos olhando toda a grandiosidade do mundo criado para continuar Dumbo em versão de “carne-e-osso”, inevitavelmente o terceiro ato acaba falhando, como quase sempre acontece, porque a história não nos entrega pessoas com problemas reais, mas apenas arquétipos de bem e mal que são repetitivos e cansam.

O filme se esquece de Dumbo como sua atração principal e tenta focar em seus personagens humanos, que praticamente inexistem como criaturas independentes. Basta lembrar que os momentos mais tensos do filme nos lembramos através dos olhos de Dumbo, que por ser um animal, enxerga o mundo de uma maneira distorcida (um truque de lentes) que torna os seres humanos em volta aterrorizantes.

E se o herói da história não consegue se conectar com sua família humana, digamos assim, por que os espectadores deveriam?

Tim Burton é um diretor autoral. Seu eterno tema é exagerar a parte bizarra das pessoas para entendermos por contraste nossa própria inadequação em um mundo que tenta nos encaixar em moldes errados. Você pode dizer que Dumbo lembra um pouco esse tema, mas apenas no original, pois este novo não é sobre um elefante voador. E diferente de Alice (também de Tim Burton), seus personagens secundários não são peculiares o suficiente para preencher esta lacuna. São pessoas Disney, ou seja, elas são os moldes inadequados.

As versões live-action da Disney começam a soar como meras curiosidades estéticas de suas animações originais. A Bela e A Fera já foi assim, e agora Dumbo. Rei Leão está a caminho. Me chamem quando fizerem Mickey Mouse e sua turma. Isso vai ser interessante.


Dumbo” (EUA, 2019), escrito por Ehren Kruger, dirigido por Tim Burton, com Colin Farrell, Eva Green, Danny DeVito, Michael Keaton, Nico Parker.


Trailer do Filme – Dumbo

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