Devorar | Desconfie de situações perfeitas demais

*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


[dropcap]S[/dropcap]wallow, ou da tradução “errada”, Devorar, é daqueles roteiros que começa com uma ideia tão inusitada que você vibra quando acontece, porque é um respiro de ar fresco. Mas além disso ele trata de temas repetidos de uma nova forma, não expandindo, mas apenas mudando nosso ângulo de visão.

Sua história é a de Hunter (Haley Bennett), uma mulher que, conforme a introdução avança, somos apresentados à sua vida perfeita, prestes a se casar com um bom partido, filho do dono de uma importante empresa, morando na casa perfeita, com uma piscina linda de frente para uma vista panorâmica. Perfeita seria a definição se não estivéssemos testemunhando visualmente essa apresentação, que o diretor Carlo Mirabella-Davis o faz transformando radicalmente a perfeição em um sufocante inferno. Como é possível isso?

Bom, primeiro pela nossa atual pré-disposição em desconfiar de executivos, ricos em geral e tudo o que os cerca. Mas, além disso, desconfiar de situações perfeitas demais. O melhor exemplo é a casa, perfeitamente simétrica, em certos momentos lembrando uma casa de boneca. E Hunter é a Barbie dessa casa de boneca, que fala (ou repete) o que deve ser dito, age como deveria agir e sorri nos momentos apropriados. Seu único defeito é ter o cabelo curto, e seu marido gosta de cabelos longos, mas ela já recebeu o conselho de sua sogra para deixar crescer.

Esta é uma família que controla por completo a vida da estranha a ponto dela ser um mero detalhe em suas vidas. Disposta como uma decoração de enfeite necessária para a vida do seu bem-sucedido marido, as pessoas sequer a esperam terminar de falar, ou simplesmente não prestam atenção. E quando ela de repente começa a engolir objetos perigosos, como uma bola de gude, um pino e uma pilha, qual a solução dessa “família”? Mais controle, é claro!

Mas mesmo partindo dessa premissa inusitada não conseguimos achar a ideia de engolir objetos estranha demais: pelo contrário, ela parece fascinante. Grande parte dessa proeza de mudança de expectativas é sua protagonista, interpretada de maneira completamente entregue por Haley Bennett. Ela não imita uma caricatura da esposa americana, pois isso iria nos jogar para fora do filme, mas sabemos que ela sofre por dentro. Por quê? Porque diferente dos outros em sua volta, ela não é uma natural. Ela se esforça para ser o ideal para eles. E só nós vemos os micromomentos em que ela se esforça.

Devorar é um thriller psicológico que vai se transformando em um drama eficiente conforme sua inusitada premissa vai se transformando em algo mais familiar. O roteiro, também de Mirabella-Davis, não escolhe partir para expandir o tema engolir coisas literalmente, preferindo usá-lo como uma metáfora de como na vida às vezes precisamos passar por experiências desagradáveis, processá-las e seguir em frente. Se chama amadurecer. Que forma fascinante de oxigenar velhos temas.


“Swallow” (EUA/Fra, 2019), escrito e dirigido por Carlo Mirabella-Davis, com Haley Bennett, Austin Stowell e Denis O’Hare.



Trailer do Filme – Devorar

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