Robocop | Diretor brasileiro comanda remake, mas resultado é bem abaixo do esperado

Não existe a menor possibilidade de colocar na mesma bandeja o Robocop de 1987 e esse novo, dirigido pelo brasileiro José Padilha. Lá atrás, o meio “tira” de Detroit meio robô tinha uma década inteira a seu favor para que seu público saísse do cinema eletrizado com um brutamontes de poucas palavras, uma arma enorme na mão e violência suficiente para empolgar qualquer adolescente. Hoje a história é outra.

Em 1987 o presidente dos Estados Unidos era um cowboy e o cinema estava cheio de caras atirando primeiro e perguntando depois (Charles Bronson, Stallone e seu Cobra, Chuck Norris etc.), uma década que aceitava muito melhor a imposição da lei sobre qualquer coisa. Só para se ter uma ideia, repleto de sangue, perfurações, um cara diluído em ácido e tiros genitais, aquele Robocop de Paul Verhoeven chegava aos cinemas com a mesma censura desse novo. Mesma censura que deve ter dado muito trabalho para Padilha.

Além de mortes off-screen e pouquíssimo (talvez nenhum) sangue, o diretor brasileiro teve que se virar para recriar uma ideia muito mais conhecida pela violência do que por qualquer coisa. E diante disso o resultado seja talvez ainda mais interessante que o original. Não melhor, já que o “quesito clássico” talvez ultrapasse isso, mas sem dúvida mais interessante.

Padilha então está em busca do incômodo da violência muito mais que do gore puro e simples. Da crítica à sociedade (muito menos do que em seus filmes anteriores, bem verdade), mas de modo muito mais global. Nesse novo futuro (esqueça Detroit por um segundo), os Estados Unidos fazem da paz uma ameaça e impõe seus termos pelo mundo. Um exército de robôs humanóides e mais alguns pares dos famosos “bípedes” ED-209 (que continuam parecendo avestruzes sem cabeça) “pacificam” Teerã ao vivo, até que um ataque de homens-bomba torna aquilo uma zona de guerra e a última vítima é um pequeno garotinho com uma faca de cozinha.

O diretor brasileiro desvia o olhar diante dessa morte, mas ela está lá, principalmente para ser ignorada pelo apresentador desse programa de TV (Samuel L. Jackson) enquanto discute essa certa robofobia dos americanos.O resto da história acaba sendo (em termos) um pouco mais semelhante da original, com o policial de Detroit que acaba quase morto, mas tem a segunda chance de combater o crime dentro dessa “armadura”. Nesse caso ainda, a oportunidade perfeita para demonstrar que os robôs podem fazer a diferença e limpar o crime dos Estados Unidos, grande embate da vilanesca OCP com um senador que defende essa proibição.

“Em termos”, por que o Robocop de Padilha agora conta a história de um homem que acorda se descobrindo “meio robô” (mais para 80%), mas aos poucos vai perdendo sua humanidade. Não em termos práticos, já que, afinal, esse novo Alex Murphy (Joe Kinnaman, da série Killing) não é nem em tese um ser humano, como o diretor enfatiza em um daqueles momentos que devem perdurar por um tempo depois do filme ao mostrar como ele “realmente” ficou. E talvez seja ai que sua versão mais se distâncie da outra, já que não existe receio nem de mostrar esse arremedo sem corpo e muito menos de se permitir fugir dos olhos marejados do médico responsável pela transformação (Gary Oldman em mais um momento de seus carreira em que pega um personagem secundário e o ttorna destaque).

Por isso, é impossível não perceber que se o pretexto é o mesmo, a busca é bem diferente para Padilha. O diretor sabia que precisava dar lucro em um filme de 160 milhões de dólares que não se venderia apenas pelo seu nome (caso tivesse uma censura maior). Sabia também o que fazer para que isso não lhe impedisse de realizar um filme de ação eficiente, assim como aprofunda o texto de Joshua Zetumer, que mesmo em seu primeiro trabalho tem a coragem de recriar a história à sua visão, mudando muito, homenageando o original e em nenhum momento se deixando ser uma cópia. Muito pelo contrário até.

Robocop Filme

Agora, o detetive Alex Murphy “acorda” humano e só aos poucos vai perdendo isso. Um arco que se difere do original, mas o faz com tremenda consistência. É fácil entender todos os pontos que levam essa história a esses momentos, e melhor, tudo ainda casa perfeitamente com aquela trama maior, envolvendo a OCP e o (esperado) final onde o homem ganha da máquina. Na verdade por se escorar muito mais na veracidade de suas reviravoltas e subterfúgios, o ápice dessa batalha entre o “robô” e o “Cop” acontece antes em um desencadeamento de eventos que preenchem a passagem para o terceiro ato com um ritmo alucinante.

Entretanto, esse esmero narrativo não reflete alguns detalhes como uma desculpa que surge no final (podia ter sido tratada antes) que o impede de “resolver o problema”, além de uma discussão sobre a “ilusão do livre arbítrio” e a função do visor que não são mais discutidas no resto do tempo. Um problema que incomoda, já que as reviravotas do filme se fincam nesses detalhes, mas que é capaz de passar despercebido diante tanto de um visual eficiente quanto de um monte de detalhes que povoam esse futuro.

E sim, a nova armadura funciona, não só por ser “mais tática” (e nem por ser a certa como o chefão da OCP afirma diante de uma pesquisa que aponta a preferência por um traje com “luzinhas”, “já que eles escolhem o que o público gostará”), mas por fazer sentido dentro da trama. E isso levando em conta que o visual original está lá, quase como um cânone, respeitado, homenageado e colocado de lado pelo bem do filme.

Enfim, comparar o Robocop de Padilha com o do holandês Paul Verhoeven então não faz bem a nenhum dos dois. Já que Padilha (por razões mercadológicas óbvias) acaba tendo que se esforça mais para criar um novo “herói durão” para uma sociedade que não parece mais tão interessada nesse tipo de esteriótipo. Isso, sem contar dois detalhes essências. O primeiro que Kinneman se mostra uma escolha muito muita eficiente que o inexpressivo Peter Weller (do original) e o segundo, que a trilha do Homem de Lata do Mágico de Oz (aquele que não tinha um coração e canta “If i Only Had a Heart”), para embalar o treino do protagonista (já robô) e ainda o The Clash cantando sobre os créditos que “lutou contra a lei e ela ganhou” (“I Fought the Law”) são divertidos o suficiente para não decepcionar ninguém.

Mas ainda assim, o mesmo chato que reclamar ou comparar sem olhar para o novo simplesmente como algo… novo, muito provavelmente cairia de amor por esse Robocop se ele tivesse sido lançado em 1987.


“Robocop” (EUA, 2014), escrito por Joshua Zetumer, dirigido José Padilha, com Joel Kinnaman, Gary Oldman, Michael Keaton, Abbie Cornish, Jackie Earle Haley, Samuel L. Jackson, Jay Baruchel e Michael K. Williams.


Trailer do filme Robocop

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