O Grande Gatsby


[dropcap]S[/dropcap]empre trabalhando com visuais deslumbrantes e de encher os olhos em seus filmes, o diretor australiano Baz Luhrmann volta aos cinemas este ano com mais um longa que se enquadra de forma precisa nesta descrição. Infelizmente, desta vez ele faz isso em um projeto que não carece de tal roupagem.

O tom pop-burlesco empregado em seu filme-cabaré Moulin Rouge! foi uma decisão de estilo lógica e acertada, já que a própria narrativa demandava tais devaneios visuais. Já em O Grande Gatsby a situação é bem outra. Em Gastby somos apresentados a Nick Carraway (Tobey Maguire), um jovem depressivo que se encontra internado em um sanatório para tratar de seu alcoolismo. Seu médico o aconselha a confidenciar sobre seu passado, pois isso trará conforto a ele. É assim que ele começa a relatar sobre suas aventuras com o fantástico Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio)

No verão de 1922, Nick se muda para Nova York para trabalhar na bolsa de valores. Ele aluga uma pequena casa em Long Island, vizinha à enorme mansão de Gatsby, um misterioso magnata que organiza extravagantes festas todos os finais de semana. Nick então faz uma visita a sua prima, Daisy Buchanan (Carey Mulligan) e a seu marido, Tom (Joel Edgerton), também conhecido de Nick, e assim acaba conhecendo a atraente e cínica Jordan Baker (Elizabeth Debicki).

Ele fica sabendo durante este encontro, graças à Jordan, que Tom tem uma amante e logo a conhece pessoalmente quando Tom, poucos dias depois, o leva para uma festa-quase-orgia na casa dela. Não muito tempo depois, ele recebe um convite de seu vizinho para participar de uma de suas festas e lá ele reencontra Jordan, que o ajuda a localizar Gatsby – o enigmático anfitrião que, aparentemente, ninguém nunca havia visto. Os dois começam a desenvolver uma amizade, mas é através de Jordan – novamente – que Nick fica sabendo o verdadeiro motivo das festas: chamar a atenção de Daisy, com quem Gatsby se envolveu anos atrás e por quem continua perdidamente apaixonado. Após um constrangedor primeiro encontro, os dois reatam seu antigo relacionamento – porém agora como amantes, tendo que se encontrar às escondidas.

Adaptado da obra homônima de F. Scott Fitzgerald (uma das mais influentes e mais vendidas da literatura americana), a trama de O Grande Gatsby soa interessante no papel, como seria de se esperar, mas falta algo no resultado final que vemos nas telas. O já citado estilo deslumbrante do longa não é aplicado apenas às cenas das festas dadas por Gatsby, mas ao filme como um todo, dando um ar de videoclipe que nunca agrega nada a narrativa e nem se encaixa no tom dramático de grande parte da produção.

O problema se intensifica pelo fato de Luhrmann decidir passar rápido pelo primeiro ato do longa, onde Gatsby ainda não está presente, talvez com o intuito de não estender os já demasiadamente longos 142 minutos de projeção. Entretanto, tal decisão não resolve o problema da duração e ainda cria um outro, os personagens são muito mal desenvolvidos. Usando de cortes rápidos e rebuscadas transições, que não servem propósito algum e apenas distraem, o início do filme se mostra confuso e, acrescentando-se a isso o fato de ser muito curto para apresentar tantos personagens, faz com que nunca consigamos identificar ao certo sequer quem é o protagonista do longa.

A princípio, este papel caberia ao personagem de Tobey Maguire, mas ele, em nenhum momento, é desenvolvido além de sua curta apresentação inicial, se confirmando como sendo apenas o narrador da história. As outras possibilidades seriam Daisy ou Gatsby. Daisy, no entanto, nunca vai além de ser apenas o “objetivo” de Gatsby, seu desejo amoroso. E, por fim, o próprio Gatsby é desenvolvido como uma figura tão fantástica e ilusória que, somado ao fato de sempre vermos os acontecimentos sob o ponto de vista de Nick, nunca permite que realmente nos identifiquemos com ele. Assim, o filme nunca consegue de fato fazer com que o espectador se envolva profundamente com nenhum dos personagens principais e os coadjuvantes então, tem sorte ainda pior, já que são completamente unidimensionais e cheios de clichês.

É incrível que até mesmo a grande amizade entre Gatsby e Nick nunca se torne muito evidente nas telas – somos informados sobre ela pela narração de Nick, mas não tanto pelas imagens na tela. Algo surpreendente já que DiCaprio e Maguire são grandes amigos na vida real.

O Grande Gatsby Filme

Assim, completamente perdido, o espectador tem que se focar na trama, que de fato é envolvente e tem alguns momentos mágicos e românticos, mas que deixam de ser mais impactantes pelos problemas acima citados.

Contando com atuações “corretas” por parte do elenco, este aspecto não chega a atrapalhar o longa em nenhum momento, mas também não oferece nada de particularmente especial. Até mesmo DiCaprio, que tem em mãos o personagem mais interessante e tridimensional do longa, não consegue fazer dele uma figura carismática ou mesmo marcante, deixando que as “aventuras” que ele conta construam o lado fantástico do personagem e não sua composição dele. E é revelador que o lançamento do longa tenha sido adiado para uma data mais comercial – mudando o plano inicial de lançá-lo em dezembro para concorrer nos principais prêmios –, mostrando que nem mesmo seus próprios produtores ainda acreditavam na qualidade da produção.

Falando em qualidade, sim, o filme apresenta aspectos muito bem executados. Os exageros visuais podem até ser negativos para narrativa, mas em si eles são espetacularmente belos. Utilizando-se de cores vivas e quentes, e de grande profundidade de campo ao longa de praticamente toda a projeção para realçar o 3D, o filme dá a sensação de estarmos vendo uma pintura tridimensional em movimento. Para aqueles que nunca viram um filme em três dimensões e procuram por um que lhes permita ver com clareza a relativamente nova tecnologia, O Grande Gatsby é altamente recomendável.

Mas se os excessos visuais atrapalham, não poderia ser diferente com a trilha sonora. Ao inserir músicas contemporâneas em uma história que se passa em 1922, a escolha das canções teria que ser feita de forma cuidadosa para não destoar demais do clima clássico que o filme quer passar (algo evidente desde a sua abertura remetendo a filmes antigos). Porém isso, obviamente, não ocorre. Contando com faixas criadas por Beyoncé, will.i.am e Jay Z, a trilha é simplesmente pop e mainstream demais. Uma decisão que por si só já seria ruim, mas é ainda mais incorreta quando lembramos que as festas dadas por Gatsy eram grandiosas, chiques e espalhafatosas, e tinham por objetivo serem tudo menos mainstream. Mais um erro que deixa clara a abordagem “estilo acima do conteúdo” que permeia toda a projeção.

Assim, O Grande Gatsby pode ser resumido como um filme visualmente magnífico, mas emocionalmente vazio. Mais uma adição decepcionante para a já irregular carreira de seu diretor, que talvez esteja precisando redefinir seus conceitos.


The Great Gatsby, escrito por Baz Luhrmann, Graig Pearce e F. Scott Fitzgerald (livro), dirigido por Baz Luhrmann , com Leonardo DiCaprio, Joel Edgerton, Carey Mulligan e Tobey Maguire


Trailer do filme O Grande Gatsby

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1 Comentário. Deixe novo

  • 142 min? Argh, que preguiça!
    Não sou fã da adaptação de 1974, com Robert Redford, Mia Farrow e Sam Waterston, mas ao menos a direção de arte, fotografia e até mesmo a direção de Jack Clayton conseguiram recriar melancolia do livro de Fitzgerald. Fora o roteiro eficientemente adaptado por Coppola.
    Se até Moulin Rouge!, que um monte de gente ama, achei insuportável, não vou correr o risco de ver isso no cinema…

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