Círculo de Fogo | Não existe nada melhor que monstros gigantes saindo na mão com robôs


Dentro do corpanzil desse mexicano de 49 anos existem dois ¿Gillermos del Toros¿, um que não tem medo de criar as mais sensíveis histórias sem esquecer-se de seus lados fantásticos (como fez em A Espinha do Diabo e O Labirinto de Fauno) e um outro, um apaixonado pela criação de mundos e personagens (como nos Hellboys). Mas o importante mesmo é que ambos co-existem e fazem trabalhos irretocáveis por onde passam (como “produtores”, colocaram seus dedos em filme como O Orfanato e no terror Mama) e, por isso, não é surpresa que Círculo de Fogo surja como um blockbuster tão único dentro da carreira do cineasta.

Talvez até um terceiro Del Toro, um que tenha a consciência de que, às vezes, o suficiente para resolver qualquer problema é um robô do tamanho de um prédio de 40 andares saindo na mão com um monstro que vem de uma falha geológica no oceano Pacífico que se liga a outra dimensão e cospe vez ou outra essas criaturas. É lógico também que com uma premissa dessas não é necessária qualquer tipo de sensibilidade, então esse ¿novo del Toro¿ está mais para aquele cheio de personagens divertidos, mas com algumas grandes diferenças.

De cara, aquela que mostra a sensibilidade de perceber que não tem lá uma grande história para contar e a que tem em mãos é simplesmente sobre um monstro contra um robô, e perder tempo demais com quem está dentro dos segundo seria um tiro no pé, a não ser que esse alguém fosse você espectador. Diante disso, o que o diretor, que ainda escreveu o roteiro com Travis Beacham (do remake de Fúria de Titãs), faz é dividir o filme em três (não atos, que ainda estão lá, mas sim momentos). Quase como George Lucas fez em seu Star Wars.

Círculo de Fogo então começa no final de uma luta que teve início alguns anos antes com a primeira aparição desses Kaijus (não coincidentemente nome daqueles mesmos ¿amigos¿ do Godzilla, e ele próprio), que destruíram cidades e abriram as portas do apocalipse. Esse epílogo passa a contar a história da criação desses robôs Jaegers (que o filme apresenta como tradução de ¿Caçadores¿, do alemão, enquanto Kaijus, ¿Monstros Gigantes¿, do japonês), que começam a ganhar essa luta, se tornam estrelas e empurram os monstrões para se tornarem uma ¿ameaça controlável¿. Controlável até a hora que eles parecem voltar com mais força ainda, que é onde começa a história do protagonista Raleigh Beckett (vivido por Charlie Hunnan de A Fuga), um dos melhores pilotos da ¿frota¿ de Jaegers, mas que perde o irmão/co-piloto em uma luta e acaba se refugiando em um lugar qualquer do Alasca.

E tudo isso acontece antes dos créditos iniciais, um esforço de del Toro que dá o melhor dos frutos: identificação. Isso e ainda o prazer de fazer todos no cinema acreditarem naquele mundo. Sendo que esse segundo fator ainda passa pelo pela genialidade de criar um mundo crível, que sabe ¿perder tempo¿ mostrando um pouquinho da criação de cada Jaeger, por que eles precisam ser operados em dupla e ainda aquela impressão de que eles poderiam existir e passar ao lado de sua janela.

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Essa identificação, e essa realidade, passam então pela missão do Jaeger, Gipsy Danger (pilotado pelos irmãos), que surge como um salvador e faz o espectador acreditar e ver cada movimento pesado e cada esforço dos pilotos dentro do cockpit/cabeça dele (acompanhado de um ranger de cada parafuso e engrenagem). Além disso, de modo mais preciso ainda, mostra a todos tudo que pode dar errado (e certo) nessas neuroconexões (modo como os Jaegers são pilotados).

É esse primeiro instante que permite que todos dentro do cinema passem grande parte do segundo momento do filme presos em uma instalação militar em Hong Kong (algo como último porto livre do mundo) onde um Marechal vivido pelo sempre ótimo Idris Elba (de Prometheus) comanda o que pode ser a última ofensiva de Jaegers, já que o programa está prestes a ser fechado. Sua última esperança então é juntar os três últimos robozões mais modernos em atividade, com o ¿famoso¿ e ¿ultrapassado¿ Gipsy Danger, o que obriga então o piloto Beckett a sair da aposentadoria, encontrar um novo parceiro e, como não seria surpresa nenhuma, salvar o mundo.

E mesmo que isso pareça bobo e óbvio (e é), Del Toro aproveita cada possibilidade para expandir mais ainda o material que tem em mãos. De um lado Beckett em sua linha narrativa ¿macho alfa¿ tentando provar que está apto (assim como ajudando sua nova parceira, vivida por Rinko Kikuchi, a conseguir a chance de pilotar com ele), do outro, uma dupla de cientistas tenta ¿entender¿ o que são e como atacam esse Kaijus. Resumindo, enquanto a trama está presa nessa base, o espectador ainda tem a chance de conhecer esse mundo em parceria de um desses cientistas, uma espécie de ¿groupie Kaiju¿ (vivido pelo alívio cômico Charlie Day), com uma teoria interessante. O importante é que isso faz com que, a todo o momento, ainda que óbvios, uma série de novidades sempre surjam e permitam que essas duas linhas sigam paralelas, mas se cruzem no momento chave e deem uma impressão de unidade impressionante.

Também não existe surpresa nenhuma que o terceiro momento dessa história diga respeito ao momento em que os Jaegers entram em ação e ai o cinema tem a oportunidade de ter algumas das sequencias mais divertidos não só dessa temporada de filmes, como bem dos últimos anos. É claro também que se você não está a fim de ver um monte robôs socando um monte de monstros gigantes por quase uma hora de filme, o melhor mesmo é nem entrar na sessão, mas quem está nessa procura, bom, o prêmio é dos melhores.

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Não só todos no cinema estarão perfeitamente acostumados com toda anatomia, possibilidade e movimentação desses Jaegers, como estarão torcendo, vibrando e gritando pela vitória da humanidade contra esses monstros asquerosos. E do mesmo jeito que lá naquele primeiro momento Del Toro não esconde seu Kaiju nem seu Jaeger, o que vem nesse final é mais impressionante ainda. Tudo cabe na lente do diretor e isso não o impede de, simplesmente, ultrapassar qualquer expectativa. Mar, cidade, espaço e até no fundo do oceano, tudo é lugar para uma divertida troca de sopapos entre as duas estrelas do filme.

E a principal qualidade de Del Toro nisso tudo é na preocupação com que ele faz você acreditar em tudo isso (¿suspensão de descrença¿), tanto pelo começo, quanto pelo segundo momento onde foca nos personagens, fazendo tudo se encaixar perfeitamente para que todos possam aproveitar esse final épico. Esforço que ainda faz com que grande parte da trama rasa como um pires e da enormidade de discurso exagerados (¿Vamos Cancelar o Apocalipse!¿) e diálogos artificiais fiquem escondidos pela diversão e pelo imediatismo de sua história.

Uma velocidade que é o reflexo da natureza da trama, já que se trata do terceiro ato de uma história que começou há muitos anos (no primeiro a humanidade é invadida, do segundo ela acha que controlou aquilo e agora precisa acabar com o problema). E ainda que recorra a um final já visto, tanto em Indepdence Day, quanto no mais recente Os Vingadores, o foco principal é, justamente, ver esses robozões saindo na mão com um punhado de monstros gigantes, e fazer isso divertir por ser ¿real¿ e fantasioso ao mesmo tempo é resultado direto da sensibilidade desse diretor mexicano que, qualquer que seja seu momento, sabe contar uma história como poucos no cinema atual.

Nota de rodapé: Diferente do que notei por ai muita gente dizendo, o tal círculo de fogo não é o nome da tal falha, mas sim a nomenclatura dada a região costeira (dos países e ilhas) que circunda o Oceano Pacífico e é rica em vulcões e falhas tectônicas, que em inglês é chamado de Pacific Ring of Fire, ou simplesmente Ringo of Fire, ou no português, Anel ou Círculo de Fogo.
 

Pacifific Rim (2013), escrito por Travis Beacham e Guillermo del Toro, dirigido por Guillermo del Toro, com Charlie Hunnam, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Max Martini, Burn Gorman e Ron Perlman.


Trailer: Círculo de Fogo

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