Convidado de Honra | Crítica do Filme | CinemAqui

Convidado de Honra | É tipo uma cebola


O objetivo de Convidado de Honra é ser desvendado. Não como um mistério, mas sim como uma cebola. Tudo bem, a metáfora não é das mais poéticas, e muita gente não gosta de cebola, mas também o novo filme e Atom Egoyan não é poético e nem todo mundo vai gostar dele.

No caso da cebola, muita gente não gosta em razão de um sabor ácido que completa uma doçura que muita gente esquece existir. No caso do filme também. Egoyan expõe essa possibilidade logo de cara em um começo que desafia o espectador a ligar esses pedaços de histórias dentro de uma mesma narrativa. Dentro dessa mesma cebola.

Quem parece comandar essa história é Verônica (a meio brasileira Laysla de Oliveira), buscando a ajuda do Padre Greg (Luke Wilson) para responder ao último pedido do pai (David Thewlis) de ser velado naquela igreja específica. E quando parece que o filme será um flashback sobre uma filha tentando contar quem era o pai, o filme se divide mais uma vez entre as lembranças dela e a história dele.

Verônica pode até ter a impressão que está contando a história do pai, mas não faz a mínima ideia, nem de para onde está indo, e nem de onde a narrativa colada no pai vai chegar. Egoyan convida o espectador para acompanhar o pai enquanto ela vai desvendando o próprio passado e a própria culpa. A doçura de Convidado de Honra está em ir percebendo onde isso tudo vai chegar e no quanto esses personagens vão se expondo.

Talvez não sejam descobertas tão doces e até em alguns momentos sejam indigestas e ácidas, como a cebola. Elas deixam também um gosto na boca, como se, por mais que você mastigasse aquilo, sobrassem erros e injustiças que transformam os personagens. Egoyan parece sempre em busca desse incômodo que não é climático, é apenas um incômodo, algo que soa errado, mas que vai em frente e se torna um atravanco dentro da história. Um nó que não vai ser desenrolado por um final feliz.

A direção do diretor meio egípcio, meio canadense, não busca o espetáculo, mas sim a objetividade e firmeza. Não existem meias verdades na câmera de Egoyan, tudo está lá na tela, descamado e pronto para você sentir o gosto. O começo tentando trazer o espectador para o sensorial é apenas uma lembrança, uma daqueles que não devem ser esquecidas. Momentos que você depois verá acontecer e serão divisores de água daquelas pessoas. Na verdade, mais como cortes nessa cebola, não existe volta, nem cola, apenas metades que podem até serem semelhantes, mas nunca mais estarão juntas.

Convidade de Honra talvez seja sobre isso, sobre não conseguir voltar. Alguns atos que deixam cicatrizes tão grandes que não serão mais repostas ou esquecidas. O problema é sempre que se falta sensibilidade ou habilidade para os portadores da faca, um golpe errado não tem volta. Muito provavelmente o filme seja sobre arrependimentos e quanto eles podem mover as pessoas para caminhos sem volta. Mas Egoyan não parece propenso a julgamentos mais complexos, apenas a acompanhar esses arrependimentos.

Seus personagens não estão dispostos a extrapolarem essa camada de acanhamento, quase como uma covardia de encarar as verdades que estão expostas em suas caras. Quase como um recato com suas lembranças. Mas tudo com uma delicadeza que marca o cinema de Egoyan e nunca deixa que seus filmes sejam barulhentos ou extrapolem essa medida onde tudo é meio sem graça, sem cor, sem emoção. O monte de camadas sendo descascadas também podem ser uma experiência entediante e que vai fazer algumas pessoas lembrarem lá no fundinho porque fogem do diretor.

Não deviam, já que Egoyan é um daqueles cineastas que tem sempre algo a dizer, mesmo que soterrado em seu ritmo cheio de personalidade. Ele não larga dessa sua característica e quem gosta vai sempre encontrar uma obra relevante e interessante. Como uma cebola, cheia de sabores e que ainda parecem se encaixar em todo lugar do prato, mas que, mesmo assim, tem gente que, simplesmente não gosta. E não adianta perguntar, “mas você já viu um filme desse diretor”, como faz com cebola. O sabor de seus filmes é único, quem aprecia, aprecia, quem não o faz, vai com certeza juntar no cantinho do prato para depois jogar fora.


“Guest of Honour” (Can, 2019); escrito e dirigido por Atom Egoyan; com Laysla de Oliveira, Luke Wilson, David Thewlis, Cherei D´Elia, Rossif Sutherland e Alexandre Bourgeois


Trailer do Filme: Convidado de Honra

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