Como Nossos Pais Filme

Como Nossos Pais | Um filme tocante e verdadeiro sobre uma mulher real


[dropcap]V[/dropcap]ivendo em meio a nossa sociedade (ainda) machista, continuamos assombradas pelo mito da “supermulher”, que dá conta de ter uma carreira, de cuidar da casa, de criar os filhos, de manter o relacionamento e, é claro, de estar sempre linda e arrumada, tudo isso sem reclamações, sem cansaço e, mais importante, sem precisar da ajuda de ninguém. No excelente Como Nossos Pais, que dá continuidade à filmografia admirável de Laís Bodanzky, a cineasta aborda essa discussão de maneira complexa por meio de uma protagonista memorável, ainda que renda-se regularmente a tropeços que destoam do cuidado demonstrado com o restante da narrativa.

Rosa (Maria Ribeiro) trocou o sonho de ser dramaturga por um emprego que lhe dá pouca satisfação profissional ou pessoal, mas que é o único sustento de sua família, já que o marido, Dado (Paulo Vilhena), passa seus dias viajando para lá e para cá enquanto defende tribos indígenas ameaçadas pela exploração da Amazônia. Em meio a tudo isso, é claro, sobra a Rosa estabelecer limites e regras para as duas filhas pequenas do casal, enquanto Dado aproveita seu raro tempo com as meninas apenas para a diversão e, vez ou outra, até mesmo para diminuir a autoridade da esposa. Mas a própria Rosa só começa a questionar tudo isso, o casamento, o trabalho, a maternidade e sua condição de mulher vivendo em uma sociedade misógina, depois que, durante um tenso almoço em família, sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), faz uma revelação que abala toda a sua vida e seu próprio senso de identidade.

Para escrever o roteiro, Bodanzky trabalhou ao lado de seu esposo e parceiro habitual, Luiz Bolognesi. O resultado é um retrato sincero e frequentemente tocante de um casamento de longa data, pois os cineastas (e, é claro, o belo trabalho de Paulo Vilhena) impedem que Dado estabeleça-se como um antagonista unidimensional. Assim, apesar dos diversos problemas enfrentados pelo casal e dos constantes momentos em que as atitudes do homem mostram-se agoniantes devido a sua falta de percepção, ele ainda é capaz de demonstrar um grande carinho pela esposa e pelas filhas, o que não diminui suas falhas, apenas as torna mais dolorosas.

Enquanto isso, Clarisse Abujamra também navega com sensibilidade entre os momentos de dureza e de ternura com a filha, com a qual divide alguns dos melhores momentos de Como Nossos Pais. Por outro lado, o Homero de Jorge Mautner traz um senso de humor eficiente ao longa, mas sua pacifidade chega muito perto de ultrapassar o limite e cair no caricato. E é isso o que acontece com Herson Capri, o único ator que destoa do restante do elenco e entrega uma performance artificial, parecendo ter saído da mesma novela que deve ter lhe rendido o nome de “Roberto Natham”. Mas a culpa disso, é claro, não é apenas de Capri; o personagem protagoniza uma única cena que deveria ser um momento importante para o filme, mas a maneira rasa com que ela é escrita faz com que a conversa logo seja esquecida até mesmo pela protagonista, aparentemente. Além disso, é um tanto bizarro perceber como Bodanzky faz questão de estabelecer Natham como Chefe da Casa Civil na administração de Dilma Rousseff, em um filme sem nenhuma pretensão política, especialmente no momento conturbado que vivemos, isso apenas traz uma carga extra que em nada acrescenta à narrativa.

Como Nossos Pais Crítica

Mas Como Nossos Pais pertence a Maria Ribeiro, que faz um trabalho impecável na pele de uma das melhores e mais multifacetadas personagens femininas do cinema recente. A atriz vai fundo em tudo o que Rosa sente, e jamais expressa essas emoções com obviedade, um simples “Não” esconde um infinito de coisas não ditas, enquanto fragilidade e força se misturam constantemente. Assisti ao filme em uma sessão regular, com a sala de cinema cheia em um sábado à tarde, e por diversas vezes as mulheres da plateia (apenas as mulheres) reagiram de maneira semelhante, demonstrando a maneira com que, por meio da personagem, o longa apresenta um retrato verossímil e complexo das situações que discute.

Entretanto, Bodanzski, em diversos momentos, parece deixar esse cuidado todo de lado. Além da já citada caracterização falha de Roberto Natham, o mesmo vale para Pedro (Felipe Rocha), cujo relacionamento com Rosa é construído de uma maneira completamente bagunçada desde o início, quando os acompanhamos tendo uma conversa casual em um supermercado apenas para, em seguida, vermos os dois trocando informações íntimas em um carro, aparentemente do nada. Além disso, considerando a importância da mãe de Rosa para o arco dramático da filha, chega a ser um pouco incômodo que a pessoa que se mostre mais compreensiva quanto aos problemas e desabafos da protagonista seja um homem, ainda que o filme acerte ao não chamar a atenção para o fato de que Pedro cria seu filho sozinho, algo que ainda é frequentemente louvado com muito mais admiração e simpatia do que as mães (solteiras ou não) recebem.

Há, ainda, pelo menos dois momentos igualmente incompreensíveis: Rosa e Paulo mantendo uma conversa extremamente particular em frente a uma funcionária no supermercado, e a discussão entre a protagonista e seu esposo sobre o fato de uma atraente colega ter ligado para ele, e que termina com Rosa recebendo uma ligação de “um homem”, algo que de início parece uma tentativa pedestre de causar humor, mas que na verdade ocasiona uma relevação pesada; da maneira como essas informações nos são apresentadas, a “piada” elimina tanto o peso da conversa que interrompe quanto o impacto da notícia que recebemos. Bodansky também pesa a mão nas metáforas, algo de que o filme não precisa para se sustentar, além do ato em si, os planos que mostram o leite fervendo são até mesmo esteticamente destoantes, por exemplo. Finalmente, a reação de Rosa ao ver a afilhada do pai beijando outra garota também não chega a lugar nenhum, sua atitude seria diferente se a jovem estivesse com um menino? A resposta influenciaria a caracterização da personagem, mas a cineasta não está interessada em respondê-la.

Assim, em diversos pontos, Como Nossos Pais parece estar passando pela mesma crise de identidade e de rumo que Rosa atravessa de maneira tão envolvente e complexa. Entretanto, as qualidades do filme são fortes o suficiente para guiá-lo rumo a uma conclusão tocante e eficiente que, felizmente, encerra com louvor a jornada emocional de sua memorável protagonista.


“Como Nossos Pais” (Brasil, 2017), escrito por Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, dirigido por Laís Bodanzky, com Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Jorge Mautner, Herson Capri, Annalara Prates e Sophia Valverde.


Trailer – Como Nossos Pais

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