Cinema Sem Y | A impressão de inclusão


[dropcap]Q[/dropcap]uando falamos da inclusão das mulheres na indústria cinematográfica, é preciso destacar um ponto fundamental: deixá-las passar pela porta não é o bastante. É preciso reconhecer o trabalho das cineastas e dar-lhes as mesmas chances de crescimento de carreira e de público que os homens da área têm. Entretanto, o que acontece é que o cinema louva a mediocridade de homens brancos e ignora a excelência de todas(os) as(os) demais.

Este mês, o Centro Para o Estudo de Mulheres na Televisão e do Cinema da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, publicou o estudo “The Celluloid Ceiling”, que analisa a presença feminina em grandes produções hollywoodianas ao longo dos últimos 21 anos. A pesquisa identificou que, em 2018, mulheres dirigiram apenas 8% dos 250 longas-metragens com maior bilheteria (excluindo filmes em língua estrangeira e relançamentos).

A porcentagem representa uma redução em relação ao ano anterior, em que diretoras comandaram 11% desses filmes. Os 8% de 2018 aproximam-se mais do índice de 1998, ano em que o estudo foi publicado pela primeira vez e quando as mulheres por trás de grandes lançamentos somaram apenas 9% do total.

Por outro lado, foi identificado um aumento, ainda que pequeno, na quantidade de mulheres presentes nos cargos de direção, roteiro, produção, produção executiva, montagem e direção de fotografia. Se as mulheres alcançaram apenas 18% dessas posições em 2017, o ano passado subiu para 20%. Entre os 250 filmes mais lucrativos, as mulheres apareceram mais frequentemente como produtoras (26% do total de trabalhadores nesses longas) e, em seguida, como produtoras executivas (21%), montadoras (21%), roteiristas (16%), diretoras (8%) e diretoras de fotografia (4%).

Além disso, 25% dos projetos analisados empregaram nenhuma ou apenas uma mulher nas posições citadas anteriormente, enquanto 58% contaram com entre duas a cinco mulheres. Apenas 16% tiveram entre seis e nove mulheres naqueles cargos e somente 1% somaram 10 ou mais. Mas, é claro, a grande maioria das produções, 74%, contava com 10 ou mais profissionais masculinos.

Olhando ainda mais para atrás no passado recente da indústria, os números não são nada melhores. A organização USC Annenberg Inclusion Initiative publicou um estudo analisando os 1.200 filmes mais lucrativos entre os anos de 2007 e 2018 e, entre eles, identificou apenas 4% de mulheres na direção. Isso representa um total de 46 diretoras — a grande maioria delas, 39, mulheres brancas. Apenas 4 eram negras, 2 asiáticas e somente uma latino-americana.

A pesquisa avaliou também os cargos de poder e executivos nesses filmes. Do total, apenas 22,8% das posições foram ocupadas por mulheres e, de todos os cargos, somente 6% foram para mulheres não-brancas.

Considerando esses dados, a pergunta que fica é: temos mesmo uma indústria cinematográfica inclusiva? Não é o que parece. Atravessar a primeira porta pode até ter ficado um pouco mais fácil para as mulheres, mas o cenário real permanece nada inovador. E, como os filmes de maior bilheteria costumam ser grandes produções com equipes extensas, não é nada difícil imaginar que, dentro desses times, há pouquíssima diversidade de gênero e isso sem falar de outros tipos de diversidade ou, também, da inclusão de mulheres trans dentro das profissionais femininas que fazem parte dos índices citados.

Para a Dra. Martha Lauzen, autora do estudo “The Celluloid Ceiling”, a pesquisa mostra uma ausência de evidências de que o lado mainstream do cinema tenha passado pelas mudanças positivas previstas pela indústria no último ano. “Sem um esforço de larga escala organizado pelos principais players — os estúdios, as agências de talento, os sindicados e as associações —, não é provável que conquistemos mudanças significativas. […] Eles precisam ter vontade de mudar, assumir sua responsabilidade no problema, agir com transparência e determinar objetivos concretos”, declarou ela.

A temporada de premiações costuma oferecer um ótimo palco para quem deseja firmar esse tipo de compromisso. No início deste mês, a atriz e produtora Regina King, vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante por seu trabalho em Se a Rua Beale Falasse, anunciou em seu discurso de vitória o compromisso de que, nos próximos dois anos, os filmes que produzir terão pelo menos 50% de mulheres na equipe.

E por falar em premiações, considere estes nomes: Debra Granik, diretora de Sem Rastros; Chloé Zhao, diretora de Domando o Destino; Lynne Ramsay, diretora de Você Nunca Esteve Realmente Aqui; e Marielle Heller, diretora de Poderia Me Perdoar?. Quatro cineastas que fizeram quatro dos filmes mais elogiados do ano pela crítica, além de terem marcado presença em festivais e em premiações independentes. No Oscar, é claro, ignoradas.

Na categoria de melhor direção, as mulheres indicadas em anos anteriores continuam podendo ser contadas em uma única mão (Lina Wertmüller, Jane Campion, Sofia Coppola, Kathryn Bigelow e Greta Gerwig). Não podemos ignorar o fato de que há dois indicados importantíssimos que não são brancos — Alfonso Cuarón, favorito ao prêmio por Roma, e Spike Lee em sua primeira indicação, por Infiltrado na Klan —, mas a ausência de diretoras, mesmo diante de diversas opções aclamadas, continua sendo um problema que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não parece interessada em resolver.

O estudo da USC Annenberg Inclusion Initiative inclui alguns pontos que, para a instituição, serão fundamentais para que a inclusão das mulheres, inclusive das pertencentes também a outras minorias, possa aumentar. São eles:

  • ação coletiva;

  • determinação de metas de inclusão;

  • cláusula da inclusão (cláusula que uma atriz, ator ou cineasta pode incluir em seu contrato, exigindo determinado nível de diversidade no elenco e na equipe de um filme);

  • ativismo dos acionistas;

  • políticas de inclusão para a empresa inteira;

  • práticas transparentes de entrevistas e de contratações;

  • listas “para sua consideração” inclusivas;

  • apoio a ONGs que formem novas(os) cineastas.

Realmente, trata-se de um esforço coletivo, e o público também tem um papel a cumprir. Como filmes dirigidos por homens brancos ainda são a maioria esmagadora, tudo o que foge disso acaba escapando do status quo e exigindo um pouquinho mais de esforço de parte dos espectadores. Campanhas como a #52FilmsByWomen (ou #52FilmesDeMulheres, em tradução livre) buscam contornar essa situação ao incentivar cada um a correr atrás de longas-metragens comandados por diretoras. E continuaremos discutindo e expondo esse cenário que ainda é de tanta exclusão.

Confira os outros textos da coluna Cinema sem Y

Continue navegando no CinemAqui:

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu