Cinefilia Crônica | Teria sido melhor ver o filme do Pelé


Inventaram uma festa a fantasia no escritório. Não gosto dessas coisas. Vi um pessoal empolgado, especialmente no RH. Era uma maneira de integrar mais a equipe, disseram. Por mim, liberassem cerveja no meio do expediente e eu daria nota 10 em todas as avaliações semestrais da matriz.

Tenho alguma dificuldade para me vestir nessas festas temáticas. Claro que deixei minha fantasia dentro da mochila. Poderia ter levado até dentro de uma sacola: um uniforme oliva, uma boina e a bota. Pedi para me chamarem de soldado do exército brasileiro, cumprindo a missão de me empanturrar com salgadinhos e refrigerantes.

Entre super-heróis, apresentadores de TV e outras esquisitices, ninguém ficou surpreso com minha discrição. Quem surpreendeu, mesmo, foi o Dudinha do Financeiro. Não porque ele se vestiu de Chaves, mas porque ele foi trabalhar daquele jeito. Por isso a Mari da Contabilidade disse pelo WhatsApp que teríamos fortes emoções. Ela vai de carona com o Dudinha do Financeiro todos os dias. Na copa, confessou ter segurado uma crise de riso para não ser obrigada a ir de ônibus.

Ele não se fantasiou de Chaves. O Dudinha do Financeiro incorporou o Chaves. Repetiu bordões o dia todo e me olhou torto quando perguntei se o barril estava embaixo da camisa, já que o diminutivo do apelido é irônico.

Quando a confraternização mensal começou, ele disparou a falar dos melhores episódios do seriado mexicano. Era capaz de dizer quantas vezes o SBT passou aquele clássico (em Acapulco) e fazia questão de parabenizar o Multishow pelo respeito ao que intitulou de melhor obra de todos os tempos. Revelou ser frequentador assíduo de um fã clube, participando de discussões em fóruns virtuais.

Fiquei absolutamente paralisado ao vê-lo usar o bordão “isso, isso, isso” para concordar com frases dos colegas. E sempre que possível, perguntava sobre sanduíches de presunto na festinha da firma. Meu constrangimento passou do limite quando o Dudinha do Financeira bateu os pés para frente e para trás fazendo “zás”. O pessoal do escritório dava risada e tirava fotos, como em um zoológico. Ouvi um boato de que colocariam no mural, se possível para sempre, as imagens do veterano na firma em sua animação juvenil.

O Dudinha do Financeiro se empolgou ainda mais ao mostrar suas fotos em eventos ao lado dos atores, alguns já mortos. Citava o primeiro nome, como se fossem íntimos. Chegou a listar os melhores dubladores e eu descobri que existem fãs de dubladores. Dudinha digitalizou fitas VHS cultivadas desde quando morava com a mãe e comentou que faz questão de colocar Chaves para o filho pequeno assistir. É muito melhor do que essas porcarias de desenhos do YouTube, cravou.

Nunca tinha visto alguém tão fã do Chaves. Quando perguntaram se ele não enjoa dos mesmos episódios por décadas e décadas, deixando a programação engessada e presa ao passado, o Dudinha do Financeiro respondeu que almoça e toma banho todos os dias, mas nem por isso enjoa de se alimentar e lavar as partes íntimas.

Entre risos e cochichos de incredulidade, ouvimos o elevador. O César do Administrativo chegou de uma viagem a mando da chefia. Carregava uma mochila maior, fazia questão de participar da festinha, mesmo atrasado. Quando ouvi a Carina do RH revelar que ele estava louco para mostrar a fantasia de Darth Vader, respirei fundo e fui buscar o refrigerante.

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