Cabras da Peste | “Calor do Cão”


Parece realmente que você já escutou aquela música em algum lugar. Quem já passou dos trinta vai logo reconhecer o riff que no saxofone era a cara do famoso Um Tira da Pesada, com Glenn Frey cantando “The Heat is On”. Mas esqueça isso, o que você vai ter aqui em Cabras da Peste é Gabi Amarantos, Júnior Groovador, um teclado brega (no melhor sentido!) e “Calor do Cão”.

“Aqui” nesse caso é no Brasil. Cabras da Peste é então o mais puro filme policial brasileiro com cara de ter sido feito por aqui mesmo, não em alguma filial tupiniquim de Hollywood. Para se “manter no gringo”, uma espécie de “buddy cop movie”, mas recheado do mais puro suco de Brasil. E o resultado é muito divertido, pode apostar.

Esqueça do Axel Foley e conheça o “tira” de Guaramobim, Bruceuilis Nonato (Edmilson Filho), que depois de uma perseguição a um abestado que estava fugindo de uma casa com um ventilador embaixo do braço, acaba provocando um baita estrago (com direito a explosão e tudo mais) e prende o amante e o corno tudo no mesmo lugar. Como castigo por toda bagunça, acaba ficando com a responsabilidade de tomar conta da Celestina, que termina por ser sequestrada por um vilão misterioso e sua cicatriz (Leandro Ramos).

O sequestro da cabra (Celestina) leva Bruceuilis até São Paulo, onde acaba recebendo a ajuda de Trindade (Matheus Nachtergaele), um policial que não presta para muita coisa. Os dois então juntam suas forças em uma investigação que pode desbancar uma rede de tráfico montada através do império de rapadura de um deputado famoso, Zeca Brito (Falcão).

Essa deliciosa maluquice é dirigida pelo mesmo Vitor Brandt que já tinha dado risada de um gênero que todo mundo leva a série com Copa de Elite, que foi ignorado por muita gente na época por ser uma sátira daquelas que não espera o riso ou punch line, mas acreditem, é bem engraçada. Mas a evolução do trabalho de Brandt é clara, Cabras da Peste é um filme de comédia simples, objetivo e com um timming super ajustado, não se leva a sério no visual e aproveita bem todos aqueles clichês do gênero.

Isso não quer dizer que Brandt faça uma sátira, mas sim uma comédia em todo seu esforço de ser um filme que atinja esse público. Mas faz isso sem precisar apelar para um humor desesperado pelo riso, mas sim que é construído pelos ótimos personagens e as situações que vão ficando mais e mais impagáveis. É ainda a história do “cop” da cidade pequena que vai para em uma metrópole, mas de ônibus, sem glamour e com muitos risos.

A cena de ação do começo ainda é um esforço enorme de Brandt de misturar técnica com uma cara de pau muito bem-vinda dentro do gênero. Assim como, em compensação, encontra um jeito incrivelmente divertido de criar a perseguição do vilão final mais lenta e anticlimática que você vai ver por um bom tempo. Cabra da Peste sabe se divertir com esses exageros e faz muito bem esse trabalho.

Na ponta disso, Edmilson Filho começa a se estabelecer como um dos grandes heróis de ação do cinema nacional e mais uma vez funciona, mesmo parecendo atrelado a esse tipo de personagem que é algum tipo de clichê, mas preso ao sertão nordestino. Nesses casos, o que importa é que isso funciona, então o esforço continua dando bons frutos.

O roteiro escrito pelo próprio Brandt em parceria com Denis Nielsen acerta no ritmo, tem ótimas piadas e valoriza bastante a presença não só dos dois protagonistas, como também do monte de caras conhecidas que fazem pequenas e marcantes participações especiais, todas hilárias. A maioria ainda se segurando em um humor que busca construções muito mais complexas e inteligentes das piadas ao invés de simplesmente puxar uma piada para o final da cena. Um riso que agrada quem tem saudades desse tipo de humor melhor estruturado no cinema brasileiro, que parece preso demais ao outro lado dessa estrutura, o do riso fácil e vazio.

Cabras da Peste é um filme onde a diversão e a piada não estão na cena, mas sim na construção inteira da sequência ou até do filme. E um exemplo perfeito de como as comédias brasileiras, quanto mais brasileiras, mais chances de serem imperdíveis e cheias de personalidade. Parece realmente que você escutou essas “músicas” em algum lugar, mas agora ela tem algo que a gente reconhece como nosso, não dos gringos.


“Cabras da Peste” (Bra, 2020); escrito por Vitor Brandt e Denis Nielsen; dirigido por Vitor Brandt; com Matheus Nachtergaele, Edmilson Filho, Letícia Lima, Leandro Ramos, Evelyn Castro, Valéria Vitoriano, Falcão, Eyrio Okura e Juliano Cazarré


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