Border Filme

Border | Surpreenda-se!

Border (“fronteira” em inglês) dialoga sobre vários limites entre dois elementos. Há o limite de fronteiras entre países, o limite das diferenças entre as pessoas, o limite da violência e da exploração, e por fim, um limite mais literal, material, que torna todo o resto irrelevante. E a beleza do filme está em escalar tudo isso com extrema humanidade, sem nos deixar afastar por repulsa em momento algum, por mais repulsivo que sua história pudesse ser vista sob narrativas mais convencionais. Curioso?

Este é daqueles filmes que começa de um “jeito normal” e vai escalando suas reviravoltas em uma história de auto-descoberta, e é por isso que não falarei aqui sobre a maioria delas, para não estragar a surpresa. O que posso dizer é que o filme sugere ao nosso inconsciente de maneira muito elegante que algo está fora do lugar, mas quer que o espectador se coloque no lugar de sua protagonista, a curiosa Tina.

Ela trabalha na alfândega farejando por passageiros que podem estar carregando algo ilegal ou criminoso. O curioso nela é que ela literalmente fareja os passageiros, e nós a vemos mexendo seu nariz de forma semelhante a um animal, embora com a polidez de um ser humano. E se você não entendeu ainda o que quero dizer com “fareja os passageiros”, quero explicar que ela não busca pelos produtos ilegais que estes possam estar carregando, mas as emoções que eles estão sentido no momento que passam por ela: medo, vergonha. E até desejo.

Este último ela descobre quando aparece em sua frente um passageiro muito peculiar e semelhante a ela, o caricato Vore. Quando você vê os dois juntos na mesma cena pela primeira vez já tem certeza que eles foram feitos um para o outro. A dúvida que fica são as estranhas coincidências que vão surgindo sobre suas origens, mudando nossa visão de “eles se combinam” para “eles são iguais”.

Esta é uma ficção sobre alguém que se sente deslocada de seu mundo, mas não sabe por que e vai encontrando respostas. Mas o roteiro escrito a seis mãos e dirigido por Ali Abbasi toma uma abordagem humana e pessoal em um nível que nunca foi utilizado para uma história desse tipo, o que muda completamente nossa forma de enxergar seus personagens.

Para isso a câmera está sempre disposta a pegar o ponto de vista de Tina sobre tudo que está acontecendo em sua volta, e todos os detalhes do filme vão se juntando de forma que nada parece estar inserindo ao acaso ou como um mero detalhe figuratino. Até o fato de Tina ter uma vizinha que está grávida será usado no segundo e terceiro atos, por exemplo, ou seu namorado ser um adestrador de cães.

A questão desta história pessoal se mistura com a história de outras pessoas na vida real, que por não serem como as outras, são julgadas e colocadas de lado da sociedade. Elas participam do mundo, mas menos como anfitriões e mais como convidados excepcionais. E essa é outra discussão sobre limites que o filme coloca sutilmente, usando a melhor abordagem para humanizar um drama: nos fazer vestir a carapuça. E o mais fascinante em seu segundo e terceiro atos é entender qual o limite para a identificação humana com um drama que não nos pertence. E o filme já nos responde: não há.

O trabalho de maquiagem e efeitos visuais feito nos atores Eva Melander e Eero Milonoff não pode ser elogiado o suficiente (não à toa foi indicado ao Oscar, e se não me engano depois de Um Homem Chamado Ove este é a segunda produção sueca a receber a indicação desta categoria).

Este é efeito mais valioso do cinema. Não é o que impressiona por sabermos que alguém fez uma mágica no audiovisual, mas é o que nos faz questionar conscientemente se há algo na vida real próximo do que vemos no filme. Vale lembrar que os mesmos efeitos aplicados aos bebês do filme são de um realismo delirante.

O que me lembra que este pode ser um filme difícil de ser visto por algumas pessoas. Ele não nos poupa de nenhum dos detalhes viscerais que irão surgindo, flertando em alguns momentos com um pouco do gênero de terror e suspense. Porém, se você conseguir passar por um momento em que um personagem come uma larva, talvez esteja apto para ver o filme inteiro.


“Gräns” (Sue/Din, 2018), escrito por Ali Abbasi, Isabella Eklöf e John Ajvide Lindqvist, dirigido por Ali Abbasi, com Eva Melander, Eero Milonoff, Jörgen Thorsson.


Trailer do Filme – Border

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