Até que a Sorte nos Separe

É importante que uma indústria cinematográfica para tomar forma tenha seu lado descartável e que sirva de porta de entrada para o “público geral” nos cinemas, que até procure o riso fácil e não se sinta obrigado a requerer muito de seus espectadores. Até que a Sorte nos Separe talvez parta dessa premissa, mas exagera no direito de ser descartável.

O filme dirigido por Roberto Santucci, que recentemente já tinha tentado esforço semelhante no fraco De Perna para o Ar (e em compensação fez o mediano Bellini e a Esfinge em 2002), está ai então apenas como um arremedo televisivo que não parece querer ser cinematográfico. Mesmo com um ponto de partida que funcionaria em um número enorme de comédias descartáveis.

Nele, um casal ganha 100 milhões na loteria, o que os torna milionários do dia para a noite, mas isso tem um custo já que, quinze anos depois, o marido (Leandro Hassum) descobre que a família está falida, mas sem poder falar nada para a esposa (Danielle Winits) acaba se metendo em um monte de encrencas para esconder a falta de dinheiro.

Sem dúvida uma comédia que teria tudo para ser um sucesso, com um protagonista engraçado, algumas sketches divertidas (que não existem aqui), um vizinho certinho que vai ajudá-lo enquanto entra em várias “frias” com ele, um filho que serviria para mais algumas piadas e até um amigo que finge ser gay. É lógico que visto desse jeito, ainda assim, Até a Sorte nos Separe não teria chance de ser tão interessante assim (como a enorme maioria dos filmes estrelados por Adam Sandler e, mais recentemente por Kevin James), mas seu problema não reside na ideia, mas sim na execução.

Até que a Sorte nos Separe não tem absolutamente nenhum timming de comédia e a todo tempo parece apenas mendigar um riso sem sentido que, por mais vezes do que seria aceitável, apela para a boa-vontade do espectador para isso. E de boa-vontade (parafraseando), o inferno do cinema está cheio.

Não existe momento do filme que acabe na hora certa. Como em um começo longo demais e que te “obriga” a acreditar que dois atores completamente distintos se transformariam em uma outra dupla de atores com 15 de diferença (alguém falou em suspensão de descrença?), e aqui um pequeno esforço de esconder seus rostos e apenas dar ênfase no preparo físico do homem, para contrastar com o de Hassum, já séria suficiente. E o estrago continua em todos outros momentos do filme em que o comediante entra em cena.

Careteiro e, obviamente, acostumado com a TV, o ator não desperdiça nenhum momento em que possa ser exagerado, o problema é que não existe no mundo piada com punch-line de mais de 10 seg. e ter que observá-lo durante quase um minuto se remoendo, arfando, se escorando pelas paredes e apertando a cara de um médico (enquanto todos ao seu redor não parecem achar que ele está tendo um AVC) é vergonhoso, senão imbecil.

Por apenas se apoiar nesses momentos vexatórios, Até que a Sorte nos Separe não faz esforço nenhum para que o resto daquilo tudo tenha sentido, pior ainda, encontra na psicologia reversa a única motivação de todos personagens, o que torna o fio de trama mais frágil ainda (se é que seria possível). A única coisa importante então é colocar Leandro Hassum no enquadramento, mesmo rodeado de piadas óbvias (como um momento “eu ainda estou aqui” e um outro em um leilão) e, na ausência dessas, sobre então para uma flatulência sem sentido.

E isso reflete em momentos que deixariam com vergonha até o Rob Schneider. Como a “completamente séria” (já que quando não há risos, a situação é séria, correto?) aula de ginástica que o personagem ministra (que termina com a reciclagem de uma piada que tinha acontecido minutos antes), que ainda tenta se esbaldar em uma referência malfeita e desleixada de Flashdance. Há ainda um jogo de tênis com um personagem centenário que poderia desaparecer do cérebro do espectador ao final da sessão, mas como os momentos de “vergonha alheia” tendem a acontecer, permanece impresso em seus pensamentos por dias a fio.

Tirando ainda uma fotografia horrorosa, que deixa todos alaranjados em certos momentos (e não só nas sequencias de devaneios), a ausência completa de qualquer passagem de tempo e a total falta de necessidade da presença de todo ciclo envolvendo a família de vizinhos, Até que a Sorte nos Separe ainda parece se esforçar para “cair no gosto” dos profissionais de design de interiores em uma representação preconceituosa e imbecilizada que, provavelmente, deixaria orgulhoso até o Mickey Rooney e seu Sr. Yunioshi de Bonequinha de Luxo.

Até que a Sorte nos Separe podia então ser esquecível, descartável, mas prefere mesmo escolher o caminho mais difícil, aquele que lhe colocará sendo lembrado como um completo desastre.


idem (Bra, 2012) escrito por Paulo Cursino e Angelica Lopes, dirigido por Roberto Santucci, com Leandro Hassum, Danielle Winits, Kiko Mascarenhas, Rita Elmôr e Aílton Graça.


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1 Comentário. Deixe novo

  • Vi esse filme hoje por insistencia da familia.
    Ja tenho um certo preconceito com esses filmes brasileiros atuais, mas cheguei a pensar que esse valeria a pena antes de o ver. Tive que me forcar a ver ate o fim, em uma palavra – Tosco .
    Achei sensacional a descricao no inicio :
    ” exagera no direito de ser descartável.”
    Achei que desenvolveram o filme em cima apenas das palhacadas do Leandro Hassum, e’ engracado, mas como disse exagerado.
    Eu tive uma impressao tambem de apelo emotivo, uma coisa para tentar dar um ar de seriedade . Tentando chegar a moral de que o amor vale mais que o dinheiro, ou algo parecido. Se realmente tiveram a intencao de tocar o emocional do espectador, sugiro que na proxima vez ponham um cachorro, pois qualquer filme de animais e’ mais emotivo que isso.

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