Até o Último Homem Crítica

Até o Último Homem | Mel Gibson volta aos holofotes com filme de guerra pacifista


Depois do heroísmo demonstrado durante a Batalha de Okinawa, no final da Segunda Guerra Mundial, Desmond Doss (vivido, aqui, por Andrew Garfield) tornou-se o primeiro objetor de consciência a receber uma Medalha de Honra. Membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Doss acreditava piamente no mandamento ¿Não matarás¿ e, consequentemente, recusou-se até mesmo a portar uma arma durante a guerra. Até o Último Homem conta, assim, a história de Doss, um homem que se manteve fiel a seus princípios até os confins do inferno.

Trata-se, definitivamente, de uma mensagem relevante e admirável, especialmente considerando a falta de humanidade e de empatia que parece percorrer o mundo atual. Temos, aqui, um soldado dedicado que não apenas se recusou a matar inimigos ou a defender seus companheiros através da violência, mas que ativamente arriscou a vida para, como o título indica, salvar tantos homens quanto fosse possível.

Doss alistou-se como médico, pois mesmo recusando-se a carregar armas, acreditava na guerra e em seu país. Ele fala do fervor que todos os homens norte-americanos sentiram por alistar-se após o ataque a Pearl Harbor, mencionando dois jovens de sua cidade que cometeram suicídio após serem declarados inaptos para o alistamento. É o poder da propaganda em sua enésima potência, capaz de fazer com que cada um que permanecesse em casa durante a guerra se sentisse absurdamente culpado e vendendo a ideia de que não há nada mais honrado do que morrer na defesa de seu país.

A adoração ao exército através de um patriotismo cego permanecesse até hoje nos Estados Unidos e, mesmo que o diretor Mel Gibson e os roteiristas Andrew Knight e Robert Schenkkan mostrem essa dedicação através de declarações apaixonadas dos soldados, o horror do cenário ao seu redor abre espaço para uma discussão mais complexa.

Mesmo com sua mensagem pacifista, Até o Último Homem não hesita na realização de suas sequências de guerra, que jamais deixam de ser intensas e impactantes. Entretanto, isso não se mostra contraditório, pois Gibson jamais glorifica essa violência: ela é incômoda e deixa marcas inapagáveis nos homens que a vivenciam. Assim, o cume de Hacksaw torna-se um verdadeiro inferno, um pesadelo inescapável, fazendo toda firmeza e convicção de Doss ser ainda mais admirável.

Nesse sentido, a atuação sensível de Andrew Garfield é fundamental para centrar o filme em sua proposta. O ator faz de Doss um jovem corajoso e dedicado, imprimindo sinceridade às convicções e à fé do protagonista. Entretanto, ele não é um santo: há demônios e escuridão ali dentro, que Doss batalha para superar. Seus companheiros de elenco são homogeneamente competentes, mesmo que poucos soldados consigam se destacar entre o todo. E se produções históricas de guerra tendem a ser majoritariamente masculinas, aqui, mesmo com pouco tempo de tela, Bertha Doss (Rachel Griffiths) e Dorothy Schutte (Teresa Palmer) são personagens multifacetadas.

Até o Último Homem Crítica

A fé de Doss, aliás, é tratada com naturalidade, e não como único motivador de sua decisão de não carregar armas na guerra. Isso fica principalmente a cargo de sua própria agressividade infantil, que culminou em um acidente que poderia ter matado seu irmão, e à violência infligida pelo pai nos meninos e em sua esposa. O pai, Tom (Hugo Weaving) também é uma figura importante para dimensionar as discussões levantadas pela obra quanto à guerra: enquanto Doss recusa-se a matar, Tom enterrou seus melhores amigos durante sua participação na Guerra Fria, depois da qual se tornou um homem agressivo, alcóolatra e fechado, que não queria que seus filhos se alistassem.

Gibson constrói Até o Último Homem com precisão, evitando o melodrama ou o sentimentalismo, mas ainda repleto de emoção. Aqui, o pesadelo e a salvação caminham lado a lado, culminando na bela imagem de Doss sendo banhado após a batalha, fazendo com que a água e o sangue jorrem por seu corpo. A trilha sonora de Rupert Gregson-Williams também contribui para isso, com seus acordes que intensificam a tensão e o desespero que vivenciamos no cume.

Ao exaltar a coragem dos soldados que acompanhamos aqui, mas principalmente a bravura de um único homem que fez mais do que todos eles sem abandonar suas convicções e sem recorrer à violência como solução definitiva, Até o Último Homem estabelece-se como uma complexa obra anti-guerra. Por isso mesmo, é triste perceber o quanto o mundo não avançou muito nesse sentido, ou pensar que, apenas alguns meses depois da Batalha de Okinawa, os Estados Unidos lançaram suas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Pelo menos, mesmo diante de tantos horrores, o mundo ainda pode contar com a determinação, a empatia, a coragem e os princípios firmes de pessoas como Doss.


¿Hacksaw Ridge¿ (EUA/Aus, 2016), escrito por Andrew Knight e Robert Schenkkan, dirigido por Mel Gibson, com Andrew Garfield, Hugo Weaving, Luke Bracey, Teresa Palmer, Vince Vaughn, Rachel Griffiths, Sam Worthington, Richard Pyros, Jacob Warner, Milo Gibson, Nathaniel Buzolic, Luke Pegler e Ben Mingay.


Trailer – Até o Último Homem

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