Amanhecer | Crítica do Filme | CinemAqui

Amanhecer | Uma alegoria misteriosa… e chata


Como posso começar a apresentar este filme sem parecer pedante? Lembra de Mãe!, de Darren Aronofsky e sua alegoria misteriosa, mas pertinente, a respeito da religião cristã e ecologia que todos acharam o máximo por ser um intrincado jogo de simbolismos interpretativos? Depois a maioria foi buscar vídeos (e textos!) na internet de “explicando o filme” porque na real ninguém entendeu nada e queria pagar de especialista. Pois bem: Amanhecer não consegue a tensão narrativa impecável do diretor de Pi, mas ganha infinitos pontos por traduzir quase que por uma seita essa loucura vivida nessa geração, a derrocada da civilização e seus valores como os conhecemos. Entre outras coisas.

Tudo começa com uma direção extremamente chata de Dalibor Matanic, que conduz seu próprio roteiro que irá caminhar por todos os clichês recém-construídos de terror dramático da última década. É uma isca razoável, pensando em retrospecto depois de ter visto o filme. Mas é chato. Insuportavelmente chato, pois nos faz apostar todas as fichas em um dramalhão familiar pela perda de um dos filhos, e ainda coberto pelo clima de desesperança dos habitantes da aldeia, que estão indo embora para a cidade porque, em suas palavras, não é mais seguro viver ali.

Temos nesse núcleo familiar o pai de família amargurado e que se isola em seus pensamentos, a mãe que ainda nutre esperanças, ou quer nutrir mesmo não as tendo, de que um dia encontrarão seu filho desaparecido. A filha mais velha que, assim como o pai, possui uma inclinação para a música, mas diferente deste, aprende a dançar como se faz hoje em dia entre os jovens. E seu irmão caçula, jovem demais e traumatizado pela perda do irmão, não fala e apenas observa.

Este é o núcleo familiar onde cresce o drama com um comentário ou outro que sugere que as coisas irão apelar para o fantástico, o estranho e o sobrenatural. Todos juntos ou separados. E de fato isso começa a se concretizar logo após a decisão do pai de vender sua propriedade e deixar a aldeia. Toda a família é contra, mas ele não enxerga mais saída naquele lugar. Estão encurralados. Literalmente encurralados, pois a casa fica no lugar mais baixo de um pequeno vale. Talvez possamos ser generosos e dizer que é uma dica semelhante à casa vista no filme de Aronofsky, com a diferença que este pai trabalha no porão, e não tem a menor esperança de que haverá um dia melhor.

Surge então a força motriz das estranhezas do filme com um homem de mesmo nome que este pai, que em vez de estar deixando o lugar está construindo uma casa. Seus gestos imitam os do pai, exceto pela sua decisão contrária a de todos em volta: ficar e construir sua casa, em tempo recorde de dias. Mesmo enfrentando problemas ele os enfrenta entregando mais dinheiro aos encarregados de lhe entregar uma casa com um prazo bem apertado.

Apesar das estranhezas crescerem o filme não fica bom. Ele continua insuportavelmente chato. Pois agora, ainda mais, ele lembra esses esquemas de filme de mistério que irá se revelar de maneira fútil e deslocada, para a satisfação do espectador médio. A trilha sonora dos irmãos Alen e Nenad Sinkauz é irritante de tão clichê. Os bocejos são infinitos para continuar assistindo sem dormir, e no meio das pescadas acumulamos dentalhes da trama que ainda não fazem o menor sentido. E não dormimos (espero que você não durma). Esperamos pelo melhor. Vamos confiar nesse diretor (e roteirista) que parece um estreante em longas (não é).

Então tudo muda muito rápido. A separação da família é o estopim para o filme largar de vez parte do seu pé no chão e passar a adotar as possíveis alegorias como a regra de interpretação daquela realidade do filme. Alguma coisa consegue escapar para o espectador mais atento. Eu não me considero o mais atento do mundo, talvez eu esteja levemente acima da média, mas até eu começo a entender que religião, valores e os tempos atuais estão ligados de alguma forma nessa loucura. Fica difícil bater o pé em uma interpretação e vou me abster, mas o que minha mente revelou para mim vai muito além do que eu imaginava encontrar em um filme tão chato quanto este.

Termino a sessão em êxtase. Os últimos olhares dessa família são a melhor recompensa deste cinéfilo persistente. Eu não acredito que um filme desses foi feito. Eu não acredito que estou vendo este filme. A dança do final é um dos momentos mais gloriosos e esperançosos no cinema contemporâneo em muito tempo. E eu não vou explicar para você, caro leitor. É muito valioso para ser explicado em palavras e é quase certeza que você não irá captar essa mensagem verbalmente, tão hipnotizado ou alienado que está. E todos estamos por esse clima tóxico do mundo moderno.

Apenas confie em mim e no meu bom gosto. Eu não costumo me impressionar muito por qualquer filme, como poderá constatar em meus textos. Para ser sincero faz anos que não tenho a mínima esperança no cinema contemporâneo. Parasita foi o fim da picada para minha pessoa. Um golpe bem dado em qualquer chance de sanidade neste mundo. Mas agora, com Amanhecer, eu me redimo. Há esperança na arte. É bem pouca e está codificada para que “eles” não entendam. Mas está lá. É possível sentir. Eu senti bem alto e forte. E foi lindo. Espero que você consiga também.


“Zora” (Cro/Ita, 2020), escrito e dirigido por Dalibor Matanic, com Kresimir Mikic, Tihana Lazovic e Lara Vladovic.


O filme faz parte da cobertura da 45° Mostra de Cinema de São Paulo

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