A Vastidão da Noite | Eles estão chegando


Talvez falte para o cinema em geral um pouquinho de A Vastidão da Noite, nova produção da Amazon Prime que chega ao serviço de streaming depois de uma celebrada caminhada por vários festivais do gênero. Um pouco de uma certa inocência e vontade de ser só ele mesmo, uma humildade e uma vontade de não tentar ser o maior filme de não, mas apenas preocupado em contar uma história.

Nesse caso, ela acompanha Fay (Sierra McCormick), operadora de telefone, e Everett (Jake Horowitz), radialista de um programa noturno. Ambos estão em uma pequena cidadezinha no meio do nada nos Estados Unidos, nos anos 50 cheios de paranoias, teorias conspiratórias e medos. E tudo isso vira realidade em uma noite onde a cidade toda está acompanhando um jogo de basquete e Fay e Everett dão de cara com um misterioso barulho que aparece em uma ligação telefônica.

Feito por gente que pisa pela primeira vez nos sets de cinema, A Vastidão da Noite é então um sopro de vida inteligente em meio um mar de ideias repetidas e preguiça que sufocam o gênero. O filme é escrito por James Montague e Craig W. Sanger, que criam uma trama ágil, mas que, ao mesmo tempo, constrói um suspense através da sutileza e da narrativa. Nada de grandes reviravoltas, apenas histórias sendo contadas e aquela impressão de que tudo pode acontecer no final sincero dessa história.

Talvez, A Vastidão da Noite só falhe em alguns momentos por pura insegurança de seus realizadores. Primeiro, por tentar colocar o filme como uma espécie de “só” mais um capítulo de um fictício “Teatro do Paradoxo”, espécie de cópia do Twilight Zone. Colocá-lo nesse formato, só faz com que a imersão seja interrompida, já que parece tentar deixar a impressão de, todo tempo, o filme gritar para não ser levado a sério, já que, como um bom episódio da séria que serve de inspiração, é apenas um meio para um fim surpreendente. Não é.

O estreante Andrew Patterson não só faz um filme que deve ser aproveitado do começo ao fim, como demonstra uma capacidade impressionante de criar um daqueles filmes que abrem a carreira de grandes cineastas. É impossível não achar que o mundo do cinema ainda irá falar muito de Andrew Patterson.

Patterson cria um começo quase sem cortes onde acompanha Everett andando por esse jogo de basquete, falando com os moradores e explicando, em cada linha de diálogo, quem ele é, foi ou pretende ser. Não existe dialogo expositivo, plano e contra plano, apenas essa câmera acompanhando a ação de modo orgânico e construtivo. Logo mais para frente, já com a companhia de Fay, a madrugada vazia da cidade acompanha o casal, mas sem nunca forçar uma história, apenas apresentar esses personagens charmosos e cheios de camadas.

Esse trabalho preciso ainda continua mais impressionante quando lida com os personagens sozinhos, com composições limpas e aquele zoom imperceptível que vai chegando perto de seus personagens, entrando em suas almas e se aproximando ainda mais do que sentem. É fácil entender como estão lidando com aquelas situações, já que o corte não atrapalha a sensação de estar cada vez mais perto da verdade. Em outro momento, deixa apenas a voz de uma ligação soar em uma tela preta, permitindo o espectador criar aquela imagem e desafiando as pessoas a pensarem o cinema como algo sensorial.

Infelizmente, Patterson se perde um pouco a repetir essa ideia (da tela preta), mesmo ainda dentro dela, assim como se permite “quebrar” toda sua imersão ao lembrar o espectador de que aquilo tudo está dentro do tal “Teatro do Paradoxo”, afastando qualquer espectador de seu filme. Mas isso nem de perto estraga a experiência de A Vastidão da Noite. Ainda mais quando todo mundo irá falar sobre o grande plano sequência que deve marcar o filme.

Essa câmera que sai da central telefônica, corre pela cidade inteira (literalmente falando), e chega até a estação de rádio, mas não sem antes passar pelo ginásio lotado, jogar com o time da cidade, escutar os narradores e fugir pela janela. Tudo isso sem cortes escondidos e truques. Apenas impressionante.

Se bem que as qualidades de Patterson talvez estejam em dois outros momentos. No primeiro deles, enquanto Everett e Fay testam fitas diferentes em um enorme gravador de rolo, sua câmera vai se aproximando a cada troca de fita, até que uma composição poderosa dita o acerto antes mesmo dela entrar no rolo. Patterson conversa com seu espectador através dessas mudanças enquanto Averett e Fay conversam sobre coisas que não interessam.

No outro momento, enquanto uma velha senhora conta a história de se vida, a câmera de Patterson permanece firme em uma aproximação lenta, do plano aberto até um close bem fechado, mas é a mudança de ângulo no momento perfeito e encarando a personagem de frente, mostrando o significado de todas aquelas palavras. Patterson enfatiza seu filme através da precisão de suas decisões estéticas e isso é característica dos grandes cineastas, daqueles que não querem apenas acompanhar as linhas do roteiro e os atores abrindo a boca.

Entretanto, o pessimismo com que A Vastidão da Noite encara sua própria história, pode ser o que mais prejudique o próprio filme. Tanto o final sem esperança, quanto nessa necessidade que colocar o filme inteiro dentro de uma série genérica. É lógico que segunda opção surge para dar razão a um certo “clima além da imaginação”, mas se Patterson, Montague e Sanger tivessem acreditado um pouco mais no filme que estavam realizando, teriam em mãos um dos mais interessantes exemplos do gênero, não só em 2020, mas nos últimos anos.


“The Vast of Night” (EUA, 2019); escrito por James Montague e Craig W. Sanger; dirigido por Andrew Patterson; com Sierra McCormick, Jae Horowitz, Gail Cronauer e Bruce Davis.


Trailer do Filme – A Vastidão da Noite

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