A Rede Social | o “Filme do Facebook”

Seria impossível não achar que um filme sobre a criação de um site de relacionamento social resultasse em uma produçãozinha qualquer, talvez do mesmo jeito que uma história sobre um serial killer e dois detetives em sua cola e a de um executivo deprimido que acaba criando um clube onde pode descontar sua raiva da sociedade em outras pessoas. A diferença desses três, sem sombra de dúvida, se chama David Fincher, e seu novo filme A Rede Social, coloca-o novamente no patamar de onde seu Benjamin Button o puxou para baixo.

Fincher volta a olhar para seu filme como um estudo profundo de um personagem diante de uma situação que o pressiona contra a parede (do mesmo modo que seus detetives obcecados, tanto em Seven quanto em Zodíaco, e o esquizofrênico caótico de Clube da Luta) e não apostado em um melodrama temporal de um cara que envelhece ao contrário. O interessante agora, diferente de todos outros, é que A Rede Social quase não se importa em ter um ponto de chegada, afinal o Facebook está ai, valendo alguns bilhões enquanto conecta o mundo.

Por isso que, na verdade, Fincher e o roteirista Aaron Sorkin (que há um tempo escreveu o ótimo Questão de Honra) estão ali somente para mostrar que, como o cartaz estampa, não se ganha quinhentos milhões de amigos sem fazer alguns inimigos. O sujeito da frase é Mark Zuckerberg, jovem estudante de Harvard que, em sociedade com seu amigo Eduardo Saverin (Andrew Garfield, que repete mais uma ótima atuação, como fez em O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus e no sensacional Em Busca de um Assassino), criou o Facebook. Fincher abre seu filme com um dialogo atropelado entre Zuckerberg e a namorada, enquanto ela acaba a relação deles (por ele ser “um babaca”), de ambos lados da mesa as palavras saem junto com ofensas veladas que mostram para o espectador o quanto será difícil se acostumar com aquele sujeito antipático. O bom é que Fincher sabe disso e pouco se importa, ninguém está ali para torcer ou não para alguém.

Talvez ser simpático a trama deixasse ser impossível de continuar nela, já que assim, o espectador tomaria um lado e se deixaria levar demais por uma história que quer mais é importunar sua plateia. Fincher, com a ajuda de uma atuação na medida do jovem Jesse Eisenberg (de Zumbilândia), criam um Zuckerberg incomodado com o mundo a sua volta, que corre pelo campus da faculdade para não ter contato com ninguém, e só se sente a vontade com seu computador. Um gênio entediado com a pouca inteligência de todos à sua volta, que nem se vestir apropriadamente ele consegue, assim como fica feliz por derrubar a rede de internet da universidade inteira, e pede reconhecimento pela autoria de tal “façanha”.

O Zuckerberg de A Rede Social é uma pessoa pouco, ou nada, sociável, o que torna irônico sair dela o nascimento de um site de relacionamento, um mecanismo que agrega as pessoas entre si, o que talvez venha de uma carência emocional, mas que para Fincher ainda é apenas o resultado de um gênio, ainda ferido pelo rompimento, mas com uma fome de criar. De dar um próximo passo. Seus dedos deslizam pelo teclado enquanto o resto da universidade curte suas festas privadas regadas a drogas, álcool e sexualidade à flor da pele, Zuckerberg parece não ter tempo para isso, e assim resolve criar sua própria festa, onde ele é o “cara” e não um atleta qualquer cheio de músculos.

Fincher estrutura seu filme em três tempos distintos. Enquanto o Facebook toma forma, o mesmo Zuckerberg comparece em uma reunião de conciliação com três outros alunos que o acusam de ter se apropriado da ideia deles, além dessa ainda em outra diferente, onde o próprio amigo, e sócio, o processa pela sua parte no site. O genial disso é poder ver toda trama se desenvolver ao mesmo tempo, o que possibilita que o espectador veja os “fins” e logo depois tenha o direito de procurar razões para aquela reviravolta nos “meios”.

E por mais que Fincher não se importe de “heroificar” seu protagonista, tampouco tenta tomar um lado. Ainda que Severin acabe ficando um pouco como vítima (coisa que seria impossível que não fosse), principalmente dá a chance de seu espectador resolver acreditar ou não nas palavras daquele geek antisocial. Zuckerberg pode ter ou não usado a idéia dos outros, assim como, mais para frente na história, pode ou não ter, maquiavelicamente, tentado prejudicar tanto a imagem de Severin (com a história da galinha), quanto de Sean Parker (criador do Napster e aqui vivido por Justin Timberlake, que prova mais uma vez que consegue fazer bonito quando na mão de um bom diretor). Seu protagonista é um mal caráter, só cabe à sua platéia decidir até onde.

Uma montagem cuidadosa de dupla Kirk Baxter e Angus Wall ainda dá o ritmo perfeito para o filme, ligando não só as linhas por assuntos, de maneira óbvia, mas fazendo com que tudo tenha um jeito linear, como se fizesse parte de um grande diálogo. Graças a isso, um emaranhado de idas, voltas, referencias e informações passam pela tela com um clareza cristalina. Isso, combinado com um roteiro impecável e contundente, com enquadramentos precisos de Fincher e seu “compromisso plástico” com suas imagens (uma combinação perfeita de economia e estilo) fazem de A Rede Social um filme tecnicamente impressionante e visualmente lindo.

Ainda nesse assunto a assinatura de Fincher até está lá, com sua câmera passeando por multidões e atravessando algumas janelas, assim como encarando os remadores em seu esforço, mas a entrega com um produto maior é tão grande, que isso tudo passará despercebido para a grande platéia hipnotizada por seu filme.

Assim como, muito provavelmente, A Rede Social (muito mais até que o livro no qual se inspirou, em razão do produto que precisa obter) possa ser uma dramatização exagerada de uma verdade, e que esse  real seja até um pouco (ou muito) mais chato que isso. No cinema, tudo se transforma em um drama absorvente sobre amizade e caminhos a serem percorridos. Uma história sobre um cara que foi de nerd rejeitado e babaca a bilionário por um passe de mágica, mas que precisa repetir para sua advogada “que não é o vilão”, talvez até para se convencer de tal coisa e que, por fim, escuta que “não é um babaca, só precisa deixar de tentar ser um”.

Até por que, ali sozinho naquela sala, não há um babaca, nem um vilão debruçado sobre seu laptop, mas sim cara ainda a espera do perfil de sua ex-namorada aceitá-lo, enquanto atualiza a pagina com um “F5” melancólico. Um herói trágico, sozinho em sua Shangri-la digital, perdido em sua genialidade, que faz, mais ainda que A Rede Social seja uma pequena obra-prima que o cinema tem o prazer de nos dar.


The Social Network (EUA, 2010), escrito por Aaron Sorkin, a partir do livro de Ben Mezrich, dirigido por David Fincher, com Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Rooney Mara e Justin Timberlake


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6 Comentários. Deixe novo

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  • […] da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, que deixam de lado a parceria com David Fincher e o Oscar por A Rede Social para criar uma trilha sonora que segue as intenções conceituais de Docter tão à risca que […]

  • 🙂

  • Paola Bracho
    15/03/2011 8:32

    bjxx para zamicas da comu da Katy Perry

  • Paola Bracho
    15/03/2011 8:29

    é um ótimo filme que conta a história de um nerd sofredor, mas um roteiro que não dá emoção nenhuma, roteiro um pouco fraco e uma trilha sonora que não transmite nada de dramático

  • o filme é sensacional… mas de fato para quem não conhece um pouco da historia perde um pouco dos detalhes incriveis.. é uma obra de arte do diretor… eu li o livro também e o final me supreendeu… muito bom!!

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