A Origem | Bem vindo a essa realidade sem amarras

Antes de qualquer coisa, A Origem não vai mudar o modo de se fazer cinema, nem vai entrar para história (até por que esse top 10 já está bem populado na mente de todos e vai ser difícil, no mundo moderno, algum transpor essa barreira de aceitação), e talvez Christopher Nolan nem se preocupe em fazer isso (já que seu Amnésia colocou seu nome mais perto disso), o que o diretor faz, e por isso mesmo surpreende o espectador, é criar um filme que confia em quem está do lado de cá da tela. E isso, por si só, já é apaixonante.

Em um mundo em que o cinema parece mais preocupado e mastigar tudo para você (estamos falando do mundo de blockbusters caros que são os que levam as pessoas ao cinema de verdade), Nolan é esse cara que, desde de seu primeiro filme (Fallowing) parece ter essa ótima mania de deixar seu espectador se divertir com o que está vendo, participar de toda magia, tirar suas conclusões, juntar as peças de seus quebra-cabeças e sair do cinema sorrindo por ter “adotado” aquele filme para si. Alie isso ainda a um visual impecável e uma trama competentíssima e, desse mar de clichês que o cinema se tornou, A Origem surge, merecidamente, como um dos filmes do ano.

Na trama, um grupo de espiões industriais, liderados pelo cada vez mais seguro Leonardo DiCaprio, tem um novo, perigoso e diferente trabalho, como um assalto ao contrário, onde eles precisam deixar algo no local do crime, a tal da inserção do titulo original (e que poderia muito bem ser o nacional), a diferença é que esse lugar é a mente de seu alvo e a especialidade deles é roubar esses segredos dentro dos sonhos das pessoas. E é ai que começa a beleza do filme.

Na verdade um pouco antes, já que Nolan, depois de um pequeno prólogo que só será rediscuto no final do filme, joga o espectador em uma dessas missões, e o melhor ainda, sem a menor preocupação de explicar nada para ninguém, o que faz com que quem esteja assistindo o filme já descubra que não está de frente para um filme de ação qualquer, mas de um que, a todo tempo o fará ficar atento ao funcionamento daquele novo ¿lugar¿ que ele vai ter que encarar. É desse jeito que Nolan, ao criar esse mundo dos sonhos em camadas, presenteia seu espectador com sua própria inteligência, cada um sentado no escuro do cinema ficará satisfeito por conseguir acompanhar a trama para onde quer que ela esteja se desenrolando.

Mas, mesmo parecendo complicado, o que ele acaba sendo realmente é complexo, já que o diretor deixa claro que essas camadas estão ali para serem descascadas e diante desse complicador, o roteiro, também escrito por Nolan, é extremamente competente ao criar e apresentar todas essas nuances desse novo mundo. Ao ter que contratar um novo arquiteto, aquele responsável por criar o sonho, Dobb, personagem de DiCaprio, precisa ensinar como tudo funciona, uma preparação para o que vem a seguir, o golpe em si.

Cenas do filme A Origem

E talvez A Origem se tornasse exatamente isso mesmo, um “alguns homens e mais um segredo” se não fosse, na verdade, um filme sobre o líder do grupo e não sobre um roubo. É o protagonista que tem que lutar contra um fantasma de seu passado, uma misteriosa (na verdade nem tanto, mas é melhor assim para não estragar nenhuma surpresa do filme) mulher que o persegue (dentro dos sonhos), vivida por Marion Cutillard, e que parece sempre disposta a estragar qualquer de seus trabalhos. É lógico que Nolan não faz disso sua mola mestra por nada, é partir dela que no fim, ele fará com que o espectador saia do cinema com a pulga atrás da orelha tentando entender o que viu e que permitirá com que o filme sobreviva um bom tempo após o fim da sessão.

Mas não esperem um final surpresa à la “vejo gente morta” e sim um que fará com que o espectador precise olhar para trás e juntar as peças, melhor ainda, poder perceber o quanto Nolan parece preocupado em deixar esse espaço para conclusões. Como se você tivesse a liberdade de escolher o final que mais lhe convir, um otimista onde tudo pode ter dado certo, pouco importando para onde vai o pequeno pião (não se preocupa que vendo o filme você vai entender isso), dois outros, onde o pião cai ou fica rodando, e ainda outro que deixará o personagem de DiCaprio viver nessa dúvida, porém feliz (espero não estar estragando nada). E Nolan, ao acabar o filme com o pequeno pião, quer exatamente isso (ainda que dê a impressão de uma pequena mudança sonora), deixar o final do seu filme não aberto, mas como um presente para quem acompanhou-o até aquele momento (Talvez ainda exista uma possibilidade meio Matrix, mas eu não acredito que o filme se posicione assim, justamente pelo resto dele, por mais que seja uma possibilidade bem atrativa de se pensar).

E a força do filme de Nolan é chegar a esse ponto final com propriedade, sem tomar atalhos narrativos sem expressão, tudo está ali para ser visto e entendido, não caindo em um lugar comum de sonhos ao sufocar o espectador com simbolismos, mas sim optando por um chão de significados, onde seus personagens podem pisar sem medo de se perder. É nesse ponto que talvez Nolan possa ser, erroneamente, acusado de uma certa racionalidade exacerbada, tanto de sua trama como se seu modo de filmar, já que ambos parecem pouco prolixos diante do tema.

Erronea por que seria impossível criar um filme com uma estrutura dessas, com suas camadas, seus subconscientes, suas arquiteturas da mente e mais um monde de “doideras” e ainda não colocar algumas amarras nisso tudo. É por isso que tudo parecer ser uma escolha estética e narrativa, talvez permitindo assim que cada lugar visitado tenha sua função, sua necessidade, dentro daquilo tudo. Voltando ao começo do filme (para não estragar nenhuma surpresa) de que adiantaria acordar aquele alvo no meio de um campo cheio de flores e símbolos se a idéia era fazê-lo acreditar que aquilo era real e mais, qual seria a função de, logo de cara, colocar os dois dentro de um cenário onírico sendo que a pretensão de Nolan era de enganar o espectador antes de mostrá-lo onde eles estariam realmente? É daí que vem a força de A origem desse sentimento de unidade que perpetua pela sua narrativa, tudo é tão bem costurado que fica difícil sair daquela trama.

Mais, ainda, sem esse ¿pé no chão¿ a divertida função dos fatores externos dentro do sonho acabaria por se desperdiçado, já que são essas “interrupções incoerentes” que acabam fazendo com que aquilo tudo ali não seja uma cópia mundana da realidade e que no fim, praticamente, apóie sua trama nesses fatores, já que, em certo momento (durante o golpe em si), tudo só acontece em função de um outro tempo e espaço (uma camada superior no sonho), sendo que, o que ocorre nela reflete na outras como uma onda, e é nesse momento que o espectador, já extremamente à vontade com toda idéia, pode se divertir com tudo que ¿aprendeu¿ até aquele momento.

E Nolan ainda tem a companhia da montagem precisa e na medida de Lee Smith (que vem acompanhando-o em seus últimos filmes), que não derrapa em nenhum segundo, nem nas mais complicadas sequencias onde o roteiro trabalha simultaneamente com quatro tempos e espaços diferentes de modo simultâneo, um trabalho poderosíssimo que faz ¿A Origem¿, além de tudo, ganhar em um ritmo perfeito.

A origem é um daqueles filmes que podem ser dissecados por páginas e páginas, já que tudo nele parece tão cheio de significados (até o slow motion tem o porquê de estar ali, na hora de dilatar um tempo) e verdades, que levam a outras e outras questões, mas que no fundo estão ali para levarem o espectador por essa viagem que só o cinema consegue fazer. E ainda que A Origem não seja o filme do ano (para mim já está sendo) é, pelo menos, um exemplo de uma produção que sabe andar sem ser importunada tanto por gêneros quanto por uma história brilhante, que sai de uma premissa até criativa, mas ganha na verdade, por navegar por uma estrutura narrativa corajosa que lembra o cinema o quanto é bom pensar enquanto as luzes da sala estão apagadas.


Inception (EUA, 2010) escrito e dirigido por Christopher Nolan, com Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Dileep Rao, Cilian Murphy, Marion Cotillard Tom Berenger e Michael Caine


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