A Menina Que Matou os Pais

A Menina que Matou os Pais | Convence menos ainda


Vai ser realmente fácil achar que os textos sobre A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais são parecidos. Na verdade, assim como os filmes, serão dois lados de uma mesma moeda. No caso das produções, dois lados de uma mesma ideia. Uma ideia ruim, mas ainda uma ideia.

Com isso em mente, quem quiser analisar o outro lado dessa experiência, o texto sobre O Menino que Matou Meus Pais está aqui, mas logo avisando de antemão: as poucas qualidades não se repetem, mas os erros não se envergonham de serem iguais.

Mas é bom entender o que são esses dois filmes. O objetivo é simples: levar para o cinema o caso de assassinato do casal von Richtofen, Manfred e Marisa (no filme, Leonardo Medeiros e Vera Zimmerman), que em 2002 foram encontrados mortos a pauladas em sua cama. As surpresas por volta do caso começaram por se tratar de uma família de classe média alta em um bairro rico de São Paulo, mas culminou na participação própria filha, Suzane, na organização e realização dos crimes.

A ideia inicial dos filmes tinha tudo para ser interessante, pegar os testemunhos dos dois principais acusados, a filha dos assassinos, Suzane von Richtofen, e seus namorado, Daniel Cravinhos, e produzir dois filmes que se refletem. Movidos por versões do caso e possibilitando que o espectador calce os sapatos de ambos para acompanhar suas histórias. Talvez uma busca de isenção narrativa, ou uma vontade de fazer algo diferente, até apenas a inabilidade de imaginar onde isso fosse dar.

Esse A Menina que Matou os Pais escuta a versão de Daniel (Leonardo Bittencourt) e o resultado não foge disso: Uma versão dele. Por mais moralista, pouco criativa, covarde, comandada pelos advogados, desesperada para convencer o júri e o juíz, pronta para inocentar o irmão (também um dos assassinos) e completamente montada como uma mentira construída para convencer a todos de algo que não aconteceu. O assassinato ocorreu, mas com certeza não daquele jeito.

Mas é, antes de qualquer coisa, uma história que não provoca nenhum interesse. A relação de Suzane e Daniel não convence ninguém, principalmente, por o lado dele dessa história ser contaminado por um desespero descontrolado de vilanizar a filha dos assassinados. Sob a visão de Daniel, Suzane é uma psicopata manipuladora, movida a ódio, sexo, drogas (maconha… muita maconha!) e olheiras. A cara de pau do testemunho é tão intelectualmente fragilizada que o personagem dele parece resumido a um garoto correto e trabalhador, mas que foi explorado e abusado por essa garota rica e doida.

Para Daniel, seu único pecado era a o aeromodelismo, no resto, tudo apenas uma vítima sem força, levado a matar um casal com pancadas, somente pelo amor à Suzane. A deturpação de realidade dele é tão grande que chega a ofender o espectador. É lógico que o “lado dela” parece mais exagerado, mas o “lado dele” parece sair da cabeça desesperada de alguém que não sabe nem para onde apontar suas armas.

Daniel estabelece um moralismo que não combina com a realidade, e isso deixa o filme chegar perto do caricato. A maconha parece despertar em Suzane uma conexão direta com o capiroto. Falando em pecado, o pai dela faz sexo extraconjugal com uma prostituta em um motel, enquanto a mãe tem um caso homossexual com a amiga. Talvez Suzane tenha sido abusada pelo pai, talvez não, mas não importa, para Daniel, tudo isso pode ser o combustível para um assassinato cruel e vil. O que não convence ninguém em pleno ano de 2021.

O filme é escrito por Ilana Casoy e Raphael Montes, que já tinham feito uma parceria para escrever o livro Bom Dia, Verônica (assim como contribuíram juntos para o roteiro da série). A escritora ainda assinou um livro que analisava o caso Richtofen, Casos de Família, portanto, não faltou experiência para prever que a opção de seguir à risca o testemunho iria resultar nesse desastre enfadonho e sem surpresas. Muito menos pareça que o diretor Mauricio Eça tenha sido pego de surpresa.

Nenhum dos três se incomoda com o caminho que os filmes tomam e muito menos não se importam do quanto os filmes se tornam grotescos e, diante do exagero, risíveis.

Como se o trio tivesse apenas um único objetivo em comum: criar esse filme que é uma versão sem emoção, apenas influenciada pela visão de um dos assassinos. Um formato duro demais e que criaria uma experiência diferente dentro do cinema (ou agora no caso, em sua casa, já que o filme foi direto para o streaming da Amazon) e que não se importa de sacrificar qualquer maior qualidade do filme para atingir esse objetivo. Eça é bem-sucedido naquilo que se propõe, mas o que ele se propõe é pouco, tão pouco que o filme não sobrevive a sua principal ideia.

Do que sobra do desastre se salvam alguns poucos pontos. O primeiro deles é o próprio esforço de Eça, que só fica bem claro quando se vê os dois filmes. O diretor tenta realmente criar um filme diferente do outro, refaz as cenas com pequenos detalhes mudados, muda algumas composições e construções dos personagens. Para os mais atentos, toda essa vontade de criar dois filmes demonstram um bom esforço do cineasta, assim como vai deixar o espectador caçando os detalhes e easter-eggs. Mas isso é pouco, um verniz que deixa a experiência brilhosa, mas nunca se torna mais importante dos que os erros da produção.

O segundo ponto é, justamente, o trabalho dos dois protagonistas. Carla Diaz consegue extrair da personagem tudo aquilo que é possível dentro de um material tão pobre. Ainda que sua Suzane inocente dos começos das histórias seja caricata e desinteressante, a transformação da personagem resulta, assim como no outro filme, em uma atuação esforçada e cheia de personalidade.

Leonardo Bittencourt, enquanto no primeiro é por vezes tratado como uma caricatura, aqui escorrega um pouco demais para o outro extremo, inocente demais, bobo até. Mas ainda assim consegue encontrar espaço para valorizar seu trabalho e fugir da tentativa vergonhosa e moralista do roteiro de criar um personagem ridículo.

A Menina que Matou os Pai é exatamente isso, uma tentativa moralista e descontrolada de contar uma história feita apenas para convencer um júri (em nenhum dos casos convenceu, já que ambos pegaram a pena máxima). O moralismo vem para agarrar o coração dessas pessoas e as mentiras para desenhar um quadro que só faz sentido aos olhos do acusado. Para o resto do mundo, inclusive os espectadores, uma experiência capenga, sem emoção e que não chega em absolutamente nenhum lugar que as notícias sobre o caso já não tenham chegado.


“A Menina que Matou os Pais” (Bra, 2021); escrito por Ilana Casoy e Raphael Montes, dirigido por Mauricio Eça; com Leonardo Bittencourt, Bruna Carvalho, Kauan Ceglio, Carla Diaz, Leonardo Medeiros e Vera Zimmerman


Trailer do Filme – A Menina que Matou os Pais

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