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A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição | Simples, mas nunca simplista


Após acabar A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição há a sensação deste filme ser um remake. Isso porque a história que ele conta, inspirado livremente em fatos reais, infelizmente não é um caso isolado. O seu núcleo revela uma repetição de costumes que um certo povo mantém século a século, e mesmo que convenientemente auxiliado pela tecnologia da época, se mostra arcaico e anacrônico se comparado com os princípios mais básicos que temos hoje de direitos humanos.

Ao mesmo tempo é curioso como a releitura que o filme faz sobre os costume de casamento arranjado com o objetivo de manter a unidade de um povo serve apenas para os muçulmanos e outros grupos étnicos, culturais e religiosos que, com o coração no passado, vivem em meio ao ápice do mundo ocidental, seja na Europa ou no EUA. Hoje não seria mais aceitável, por exemplo, que judeus seguissem a mesma linha de raciocínio, embora este fosse um costume antigo de praticamente qualquer povo que nasceu ainda na Antiguidade.

De alguma forma, ainda que velada, o filme compactua com essa ideia, ou no melhor dos casos admite que, assim como em Brazil: O Filme (Terry Gilliam, 1985), há sistemas sociais que impedem que os indivíduos possam sonhar fora da caixa de onde nasceram. Nesse caso em específico a coletividade, representada pela família de Zahira (a jovem Lina El Arabi), assume o caráter de tirano nesta tragédia anunciada, o que se torna ainda mais trágico pelo caráter ambíguo de sua natureza, de apoiadores e detratores da vida da jovem, e que mantém o mesmo ideal coletivista e covarde de todo o seu povo, onde indivíduos não são responsáveis pelos seus atos na mesma medida em que não podem decidir pelas suas vidas.

E a cumplicidade do filme reside justamente em contar esta história como uma tragédia no mesmo sentido em que um acidente de carro é uma tragédia. Zahira está acuada por todos os lados. Ela engravida de alguém que não é a escolha de sua família como pretendente e ele não espera que ela fique com o bebê, apesar de desejar uma vida a três e ao mesmo tempo se posicionar intuitivamente contra o aborto. Na clínica, descobre que custam 3 euros e meio para retirar o feto em até 12 semanas, e 800 até 18 semanas no país vizinho. Seus valores estão irremediavelmente conflitantes com os da duas sociedades em que vive, a ocidental e a muçulmana, onde respectivamente a vida pré-nascimento e a pós-nascimento não importam. Ou melhor dizendo, não importa a opinião da pessoa colocada nessa posição.

Porém, o roteiro de Stephan Streker sutilmente demonstra que os problemas retratados no filme não são simplesmente resolvidos escolhendo um lado. Afinal de contas, poderíamos lhe dar o rótulo de conservador e intolerante pelos acontecimentos nus e crus da história (que não poderei falar aqui e arriscar sua ótima e permanente tensão), mas ao mesmo tempo seria fácil entendê-lo como um estudo de cultura e como nunca nascemos livre de preconceitos onde quer que nasçamos, em uma ótica tipicamente liberal-americana. Felizmente nenhum dos dois rótulos seria completo, e acompanhamos livre das tensões políticas e sociais que soariam bobas e melodramáticas para um tema tão caro.

A Garota Ocidental Crítica

Também diretor, Streker escolhe sabiamente quase não incluir trilha sonora, o que beneficia o realismo, mas o que irá lhe trazer as melhores memórias do filme é a proximidade da câmera nos rostos dos personagens principais, Zahira e seu irmão, criando intimidade e cumplicidade, ainda que nunca os vejamos de frente, o que revela os sentimentos escondidos dos dois. Enquanto isso, o distanciamento físico do pai, sempre atrás da mesa de jantar ou do balcão de sua lojinha, e o distanciamento emocional da mãe, que vê uma jóia da família mais valiosa que a felicidade da filha, são os contrapontos de um filme difícil de se decifrar pelos seus símbolos, ainda que tenhamos farto tempo para isso.

Algumas situações são icônicas, como Zahira e seu namorado, deitados em sentidos opostos na cama, simbolizando dois mundos que se encontraram por acaso no movimento de rotação das pessoas pelo planeta, mas que continuam separados por forças além das que conseguem lutar. O resultado é que enquanto alguns têm coragem de sair de seu país e buscar oportunidades, para outros a verdadeira coragem está em ficar onde se nasceu.

E é justamente este o ponto de impacto de um filme claro, simples, mas nunca simplista. Ele coordena nossos pensamentos em torno da ideia de movimento social enquanto demonstra com propriedade como nunca estamos realmente livres dessas amarras. Seja você uma mulher sob o regime muçulmano ou uma das milhões de mães solteiras vivendo tristes pelo Ocidente. Se há algo que se pode afirmar da opinião do filme é esta: esteja onde você estiver, ele não traz uma visão muito otimista da vida.


“Noces” (Fra/Bel/Paq/Lux, 2016), escrito e dirigido por Stephan Streker, com Lina El Arabi, Sébastien Houbani, Babak Karimi, Nina Kulkarni, Olivier Gourmet


Trailer – A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição

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