A Favorita Filme

A Favorita | Tão estranho quanto a época em que se passa

A Favorita é um filme de época da realeza, mas filmado frequentemente com uma câmera olho de peixe e sempre de um ângulo baixo em longuíssima corredores, uma abordagem fantasiosa, quase surreal. Mas nada é mais surreal nessa época do que os próprios acontecimentos em torno da rainha, que, pra variar, é uma pessoa doente cercada de parasitas.

Aqui temos uma mescla da história da garota cuja família se deu mal, mas graças à sua esperteza e educação tem a chance de dar a volta por cima às custas de sua prima, a conselheira e amante da rainha. O papel cai como uma luva para Emma Stone e seu jeito levemente debochado. Ela torna mais leve o que geralmente é tratado com excesso de pomposidade.

Por outro lado, a conselheira retratada por Rachel Weisz possui uma impetuosidade planejada que transborda personalidade, ainda que cruel. Porém, quem possui o luxo de não ser cruel e ao mesmo tempo viver na mordomia? Talvez nem os serviçais.

E para terminar a rainha Anne, vivida por Olivia Colman, é uma doente temperamental, que necessita mais de carinho do que de conselhos. A maquiagem a retrata como uma pessoa sempre debilitada que luta para manter sua mente sã e governar a Inglaterra.

Este é um filme que contém personagens nada agradáveis. A própria criada que almeja recuperar seu status caracterizada por Stone possui a simpatia do espectador apenas porque ela começa o filme de baixo, caindo na lama. Porém, se prestar atenção na relação que vai se desenvolvendo entre as duas e a rainha, vai perceber que é difícil julgar apenas baseado no caráter das pessoas, pois a conselheira de fato possui uma função para o reino da Inglaterra e para a rainha, enquanto Stone apenas quer se dar bem. A maior riqueza do filme são suas nuances, pois elas nunca nos deixam pensar em termos de preto e branco.

A Favorita Crítica

Assim como as diferentes texturas e cores das paredes, chãos e roupas daquelas pessoas. Note como não há uma norma nem nisso, e se uma hora há muito vermelho em um quarto na outra ele é bege e sisudo demais. A mesma acontece com as pessoas, alguns com maquiagem e perucas demais, outros de menos. Alguns são sutis em seu tom maquiavélico e outros possuem a excentricidade inerente à nobreza alienada do mundo real ao carregar um pato (!) para onde quer que vá. Mas não se engane: são todos caricaturas, e não personagens feitos para serem reais.

Os únicos seres que confundimos como humanos, pois eles possuem uma certa maldade inerente à nossa natureza e que os movem, são essas três mulheres. E olhe como elas caminham como peças em um tabuleiro fantasioso de xadrez, algo evidente no próprio piso, mas ressaltado pela objetiva grande-angular, que permite mostrar todo o recinto da cena, mas distorce os lados, incluindo o próprio piso, que se estica para os lados como em um sonho onde as leis da física nem sempre são as mesmas. Há um momento onde isso é exagerado ao máximo, em um corredor visto completamente esticado e que nos remete à loucura das pessoas dentro daquela casa.

Até a trilha sonora, baseada em tons únicos e repetitivos, subverte um pouco esse lugar comum das músicas pomposas de filmes sobre a nobreza. Aqui há o desconcertante, o que nos deixa inquietos, apreensivos, alertas. Qualquer movimento, apesar de friamente calculado, pode se desenvolver diferente do imaginado. Parte da graça está em acompanharmos a tensão da rivalidade entre as duas com esse som como pano de fundo.

A Favorita não tem em sua história nada que já não tenha sido visto nos inúmeros eventos históricos e seus filmes. Esse particularmente nem é tão engenhoso. O forte do filme é apostar em nosso senso estético e construir com isso a estranheza tão óbvia dessa época, mas que por algum motivo poucos possuem a coragem de demonstrar em filmes caros como esse. Nem todos podem se dar a esse luxo.

Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


“The Favourite” (Irl/UK/EUA, 2018), escrito por Deborah Davis e Tony McNamara, dirigido por Yorgos Lanthimos, com Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Delves, Emma Stone.


Trailer do Filme – A Favorita

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