Um Conto do Destino

Meio conto de fadas, meio realismo fantástico, Um Conto do Destino de vez em quando até parece que vai engatar, especialmente quando se foca no romance entre o casal protagonista, isso apenas para perder-se completamente em seu terceiro Um Conto do Destino Posterato, quando encontra soluções repentinas e pouco desenvolvidas para as grandiosas questões de que trata.

Ambientado majoritariamente na Nova York de 1916, o longa escrito e dirigido por Akiva Goldsman, a partir do livro de Mark Helprin, acompanha Peter Lake (Colin Farrell), um ladrão que cresceu nas ruas da cidade depois que seus pais tiveram que abandoná-lo, e, já adulto, quando passa a ser perseguido por seu ex-chefe Pearly Soames (Russell Crowe), encontra um misterioso cavalo branco que, ao invés de ir aonde ele ordena, parece ter as próprias ideias dos caminhos que Peter deve tomar. Assim, o ladrão invade a suntuosa casa onde a jovem Beverly Penn (Jessica Brown Findlay) vive com seu pai (William Hurt). Beverly está morrendo de tuberculose, sem poder sair de casa, e se encanta instantaneamente pelo charmoso rapaz que, por sua vez, também se apaixona por ela.

O romance dos dois, porém, é cercado por elementos fantásticos: no universo do filme, a cada pessoa é possibilitada a chance de realizar um milagre para outra, e Soames é um demônio cuja missão é impedir que esses milagres aconteçam, garantindo a vitória do mal sobre o bem. Percebendo o potencial milagroso do amor de Beverly e Peter, ele não desiste de perseguir o rapaz e de tentar garantir que a garota morra, fazendo com que o milagre de Peter (mantê-la viva) não aconteça.

Além disso, a doença de Beverly aparentemente deu superpoderes à garota: além de poder enxergar “a luz que conecta tudo e todos”, a temperatura elevada de seu corpo também permite que ela ande descalça e com roupas leves em noites de inverno rigoroso (e até derretendo a neve).

Iniciando com um voice over da garota que retorna em outros dois momentos apenas para declamar frases de efeito, o único elogio que pode ser feito ao desnecessário uso da narração neste filme é que o recurso não é utilizado como exposição para nos explicar as regras daquele universo. Não nos presentar a todos os elementos de um mundo fictício que funciona em uma história bem construída com um universo definido e quando, mesmo sabendo que há ainda mais elementos do que os que estamos vendo, conseguimos compreender a trama e temos as informações necessárias para a história que acompanhamos. Porém, não é isso o que acontece em Um Conto de Inverno.

A trama não é incompreensível – é pouco ambiciosa demais para isso –, mas são tantos os momentos que não servem propósito algum, como quando Soames encontra um anjo que decidiu viver como humano na terra, que é quase possível ouvir os realizadores dizendo, “Olhem como esse universo é complexo!”. Assim, quando por duas vezes o demônio pede a permissão de Lúcifer (Will Smith, em uma participação divertida) para realizar ações que são, por algum motivo, proibidas a ele, isso serve apenas para acrescentar algum conflito à trama e atrasar o vilão, e não, como é a óbvia intenção de Goldsman, de sugerir um passado tortuoso ao sujeito. Por outro lado, trazer Lúcifer segurando uma cópia de Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking (publicado originalmente em 1988), funciona como uma alusão à insignificância que a ideia da linearidade do tempo tem para ele.

Um Conto do Destino Filme

Enquanto Crowe é prejudicado pela falta de consistência com o tom de seu personagem, ficando entre o caricatural e o ameaçador, Farrell consegue injetar um pouco de seu charme e carisma em um personagem apagado. Já Brown Findlay, vinda da televisão britânica, faz de Beverly uma garota simpática e doce, com um bom-humor convincente. Seu romance com Peter, mesmo seguindo a velha fórmula do amor à primeira vista em que depois do primeiro encontro um não consegue mais viver sem o outro, até funciona dentro do espírito de contos de fadas do filme.

É quando o romance é tirado do centro da narrativa, portanto, que o filme – que até então funcionava ocasionalmente – desanda de vez. Elementos religiosos funcionam em um filme de fantasia, claro – até então, Um Conto de Inverno tinha anjos e demônios da mesma forma que a Terra Média é habitada por hobbits e elfos. Ao acrescentar mensagens tiradas quase que diretamente da Bíblia, porém, o longa passa a se concentrar em uma história que é tão mal desenvolvida que não há motivo para que torçamos por ela. O filme, aliás, parece estar ciente disso, já que a pessoa por cuja saúde devemos torcer é, agora, uma pequena garota com câncer – e é preciso ser um psicopata para não querer que ela sobreviva. Enquanto Beverly era alguém que acompanhamos e nos apegamos e, portanto, realmente ligamos para a conclusão de sua hustória, não nos importamos realmente com aquela garotinha em especial; ela poderia ser qualquer outra criança, e não há conexão alguma entre ela e as pessoas que passamos quase duas horas acompanhando, fora o tal “destino” que o longa prega.

Durante o desenrolar do amor de Beverly e Peter, o fantástico de seu mundo poderia ser uma bela alegoria da grandiosidamente dos sentimentos do casal. Ao afastar-se disso, Um Conto de Inverno conclui com a mensagem de que nenhuma pessoa é mais ou menos especial do que outra, mas que o universo conspirou por um século para lutar pela vida de uma única garotinha. A verdade, é claro, é que milhares de inocentes morrem todos os dias, e o filme acredita que todos temos um destino que, se não agora, será compreendido um dia. Uma mensagem inserida de forma tão preguiçosa na narrativa que, além de não ser embasada pelo longa que acabamos de assistir, passa da fantasia à pregação.


“Winter’s Tale” (EUA, 2014), escrito e dirigido por Akiva Goldsman, com Colin Farrell, Jessica Brown Findlay, Russell Crowe, William Hurt, Jennifer Connelly, Maurice Jones, Mckayla Twiggs, Ripley Sobo e Eva Marie Saint.


Trailer do Filme Um Conto do Destino

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