O Vingador do Futuro

Em um mundo pragmático como o de hoje, nem Ridley Scott aguentou deixar que ninguém mais tivesse dúvidas se seu Deckard era ou não um Replicante (no último “director´s cut” de Blade Runner). Pior ainda para outra obra inspirada tanto por um trabalho do O Vingador do Futuro Postermesmo escritor, Phillip K.Dick, quanto pelo sucesso do filme de Scott, O Vingador do Futuro, que agora ganha um remake e deixa escapar por suas mãos o (talvez) único charme que o original conseguia ter e lhe deu (até hoje) um véu de clássico.

Desde 1990 (ano do original de Paul Verhoeven) para cá, é fácil acreditar que toda aquela história era um implante de memória inserido no monótono trabalhador vivido por Arnold Schwarzenegger, como aquelas férias que todos gostariam de ter tido. Vinte e dois anos depois, Len Wiseman (que é o criador da franquia vampiresca Anjos da Noite), junto com o roteiro de Kurt Wimmer e Mark Bomback, não parecem ter a mínima vontade de deixar qualquer dúvida.

Pior ainda, em um esforço completamente desnecessário para fugir do original, trocam a Marte pela Colônia, que parece ficar na Austrália (chove o tempo inteiro e acaba semelhante demais ao mundo de Blade Runner), oposta a uma Federação Unida da Bretanha, que agora controla o mundo. Entre os dois, um planeta inteiro devastado “por algo” que o tornou inabitável (melhor não procurar explicações). Ainda geograficamente falando, a coqueluche desse novo O Vingador do Futuro é esse elevador/trem, Queda, que atravessa a crosta terrestre, liga os dois continentes e, obviamente, está lá muito mais para servir de pretexto para uma última sequência do que para qualquer outra coisa.

Em algum lugar desse emaranhado, ainda existe um Chanceler britânico, Cohaagen (vivido por um desperdiçado Bryan Cranston, em apenas um vilão bilateral, daqueles que comandam a linha de frente de seu batalhão só para enfrentar o herói nos últimos minutos de filme), que quer “lotear” essa Colônia, já que não tem mais onde colocar gente em seu país. O problema acaba sendo um roteiro que não parece se lembrar de dar nenhuma razão para o monte de gente, do lado pobre desse mundo bidimensional, estar realmente preocupada com o que está acontecendo ou que precisem ser salvas. Nem uma imposição de poder, um cachorro sendo chutado ou sequer um momento de preconceito. É lógico que acabar com os empregos de milhares de pessoas é ruim, mas o fim do mundo é sempre mais interessante para se torcer contra. E em termos de futuro apocalíptico ele sempre tem que estar lá.

Mas voltando ao charme (ou a falta de), sem a possibilidade daquilo ser uma aventura implantada (com o filme abrindo com o personagem sendo herói, e pedir que o espectador ainda acredite que aquilo não é real, como tenta duas vezes, é injusto e equivocado), sem Marte (o que ainda coloca a “famosa” prostítuta-marciana-mutante-de-três-seios como uma aberração perambulando pela rua, já que não existem marcianos/criaturas piores que ela) e sem o mundo para salvar, Weisman acaba optando por uma linha reta, crua e sem emoção. O herói, que agora é vivido por Colin Farrell e deixa de ser um trabalhador entediado para ser tornar uma figura depressiva, que apenas foge da mulher (Katie Beckinsale), depois encontra a antiga namorada (Jessica Biel que, de modo desastrado não conta a verdade para ele logo de cara e torna todo relacionamento quase inumano), esbarra com ele mesmo, encontra o vilão e (sim aqui um pequeno spoiler) no final de tudo… bom, no final de tudo, nada que uma bolsa cheia de bombas não possa resolver.

O Vingador do Futuro

Essa total falta de conteúdo, rumo e charme, talvez seja compensada por um punhado realmente interessante de sequencias de ação, todas muito bem filmadas, de modo dinâmico e preciso. Talvez responsabilidade direta do trabalho firme do diretor de fotografia Paul Cameron, que já teve parcerias interessantes com Michael Mann e Tony Scott (o que, infelizmente também o fez trazer com o último uma luz estourada que pouco tem a ver com o resto do filme). Melhor ainda, Wiseman também consegue aproveitar o trabalho da direção de arte, que cria esse emaranhado de andares em ambos “países” (já que o problema desse futuro é a falta de espaço) e que, nos dois casos, são muito bem usados. A perseguição pelas ruas da colônia (à pé) e a perseguição de carros nessa “nova Inglaterra” são empolgantes o suficiente para valerem o ingresso de quem for ao cinema em busca apenas de ação.

Mas é lógico que a grande maioria vai acabar indo em busca do remake, e nesse caso vai ficar decepcionado com a falta de “senso de humor” diante das poucas referências, que em sua maioria acabam passando corridas e sem tempo de serem aproveitadas (a presença da “mulher de roupa laranja” quase barrada na alfândega é divertida, mas também nada mais que isso… assim como nada de luta por trás do raio-x).

Wiseman então tenta compensar essa falta de charme (e referências) criando suas próprias, com muitas luzinhas piscando, hologramas, bugigangas tecnológicas (como o “celular de mão”) e uma visão do futuro (como os carros, os prédios e todos cenários) que acaba vazia, pois nem ela tem tempo de ser apreciada, com a única importância dele seja mesmo afogar (ou enganar, talvez) seu espectador com ação o suficiente para que ninguém se deixe perguntar se tudo aquilo faz ou não sentido suficiente.


Total Recall(EUA/Can, 2011) escrito por Kurt Wimmer e Mark Bomback, dirigido por Len Wiseman, com Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, Bill Nighy e Bokeem Woodbine.


Trailer – O Vingador do Futuro

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