O Rei Leão | O círculo da Vida ainda mais real


[dropcap]S[/dropcap]ó esse cuidado que a Disney vem tomando em adaptar seus clássicos já é comovente. Antes desenhado em animação, o que permite um tom mais caricato de seus personagens, a versão computadorizada de O Rei Leão nos faz pensar em como os pequenos ajustes da história neste remake feito com bits e bytes existem para focar mais no seu núcleo dramático, o que se aproxima das duas inspirações da história original: os textos bíblicos sobre as vidas de José e Moisés e os palcos de onde se encenou a imortal peça de Shakespeare, Hamlet. Nesse sentido, O Rei Leão é um Príncipe do Egito às avessas.

O desafio no teatro é conseguir excelentes atores e atrizes que irão dar vida a uma ideia. Na mesa de criação esse jogo é diferente: o design de produção é responsável por dar vida à maior parte desta trama monárquica representada por animais. Se há atores de carne e osso, esses estão presentes para nos doar suas evocativas vozes na fantasia de uma mãe-natureza antropomorfizada. Nos faz pensar se não somos nós, humanos, que estamos deturpando o ciclo da vida.

Rei Leão “2.0” é uma completa imersão no mundo mágico dos cenários virtuais criados pela técnica de fotorrealismo, onde fotos de ambientes reais são animados por artistas digitais, que usam como fonte tudo o que ele pode obter do ambiente real, como uma savana na África ou um desenho dos anos 90, por exemplo, e com isso eles recriam cor, textura e movimento em uma versão que lembra muito os jogos de computador mais atuais. Mas isso é apenas o começo (da tecnologia e analogia).

Criados pela mesma empresa que desenvolveu os efeitos de Mogli, O Menino Lobo (2016), esta é uma combinação entre captura de movimento, realidade virtual e realidade aumentada. Os animais que fazem parte dessa fantasia são idealizados para o universo da história, mas eles também fazem parte de um equilibrado e sensível ecossistema de tecnologias.

Além dessa chuva de efeitos que pode fazer você, espectador, babar em vários momentos do filme, surge também a trilha sonora de Hans Zimmer, que anda inspirado e não nos entrega nada menos do que um trabalho épico. O músico e sua equipe apelam para todo tipo de instrumentação que tradicionalmente funcione em super-produções que marcaram época, como tambores nos momentos solenes da savana e flautas nos momentos românticos. Há também os originais momentos musicais com os “retrabalhados” de Elton John com a ajuda de Beyoncé (com resultados mistos).

Já o diretor e produtor Jon Favreau, que participou no longa computadorizado do Menino Lobo em 2016, ressurge aqui utilizando a mesma tecnologia, mostrando seu crescimento exponencial em poucos anos, cumprindo o papel de reproduzir as icônicas cenas conduzidas na animação de 94, mas também nos lembrando das capacidades ilimitadas em um ambiente totalmente virtual, como a câmera que flui entre animais correndo, passando bem pelo meio deles, ou as incessantes sequências voadoras, onde vemos que não existiria limite nas capacidades artísticas deste set de filmagens. No entanto, Favreau como diretor se mantém sóbrio todo o tempo, e mesmo tendo a chance para de fato criar algo novo, o que vemos é menos que o esperado de uma revolução tecnológica em prol da arte.

Porém, tirando todos os efeitos e tecnologia, o resto da magia deve ser interpretado por você, caro espectador, e digo isso porque essa não é uma tarefa fácil se você não estiver imerso nas questões filosóficas do longa, o que pode soar um porre em um primeiro momento, mas que se você refletir é a origem da verdadeira força dessa história para o Cinema. Se são belíssimas as noites estreladas ou o gigantesco sol nascendo e se pondo, somos chamados para a aventura de sonhar ao observar o ciclo incessante de noite e dia e o passar das gerações, das épocas, dos éons.

Esses animais da imaginação coletiva falam sobre algo mais primordial que uma aventura Disney: nosso lugar na existência, seja como meros espectadores inertes interessados em ganhar o nosso às custas dos outros ou atores da vida real capazes de girar as rodas do tempo em nossa brevíssima passagem pelo mundo. Qual seu papel nesse grandioso e emocionante palco montado pela mãe-natureza?


“The Lion King” (EUA, 2019), escrito por Jeff Nathanson, Brenda Chapman, Irene Mecchi, dirigido por Jon Favreau, com vozes no original de Donald Glover, Beyonce, Seth Roge, Chiwetel Ejiofor, John Oliver e James Earl Jones.


Trailer – O Rei Leão

Continue navegando no CinemAqui:

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu