Ninfomaníaca - Volume 1 | Crítica do Filme | Cinemaqui

Ninfomaníaca – Volume 1

Inicialmente pensado como uma obra com cinco horas de duração, Ninfomaníaca chega ao Brasil com um “Volume 1” anexado ao título. A conclusão da jornada de uma viciada em sexo criada por Lars von Trier estreará em março, enquanto a versão original, sem cortes, será exibida no Festival de Berlim. Somadas, as duas partes exibidas por aqui somam quatro horas: as cenas mais explícitas ficaram na sala de montagem.

Seria interessante podermos assistir ao filme do jeito que von Trier o imaginou, mas as cenas de sexo cortadas não devem fazer tanta falta: o que é mostrado no filme é mais do que suficiente para contar esta história que, afinal, não é sobre o prazer do ato sexual, mas justamente sobre a frustração de uma mulher que, utilizando o sexo e a atração que exerce sobre os homens como válvula de escape, nunca consegue realmente se satisfazer.

Já a divisão de Ninfomaníaca – que se estabelece como um estudo de personagem – em dois, sim, é prejudicial. Começamos a história encontrando Joe (Charlotte Gainsburg) machucada e caída no chão em uma melancólica noite de inverno. Ela é encontrada por Seligman (Stellan Skarsgård), um senhor que a leva para casa e para quem ela contará sua história em oito capítulos, que então acompanhamos através de flashbacks. Vemos apenas cinco (e flashes dos próximos durante os créditos). Assim, a jornada de Joe não está completa, e não temos todas as informações para saber o que a levou àquela situação – e, principalmente, porque tem tanta certeza de que é “um ser humano ruim”.

De início, a visão que Ninfomaníaca traz do sexo (mais especificamente, da sexualidade feminina) pode parecer conservadora e mesmo machista. Joe utiliza o sexo, como já dito, como válvula de escape, mas também como arma. Assim, ela (que, na juventude, é interpretada por Stacy Martin) se orgulha de sua capacidade de conquistar e manipular homens pelos quais não sente o mínimo interesse, engajando-se, por exemplo, em uma aposta com sua melhor amiga que envolve as duas percorrendo os vagões de um trem e seduzindo vários passageiros. O ápice é o quarto capítulo, “Sra. H.”, que traz Uma Thurman como uma mulher que disfarça a sua profunda tristeza e raiva pela situação em que se encontra com uma máscara de orgulho, e que, mesmo desconfortável, é a sequência mais próxima de ser engraçada. Como destacado por Charlotte em sua narração, ela não se afetava pelas consequências de suas ações em sua juventude, mas, atualmente, se vê como a maior das pecadoras – mesmo que, como aponta Seligman, o conceito de “pecado” não tenha lugar fora da religião. Von Trier acerta, então, ao estabelecer que as ações da protagonista são fruto de uma mente perturbada e desesperada, ansiosa mas com grande dificuldade de sentir emoções e de se apegar a alguém.

É interessante notar que, como ouvinte, Seligman busca elementos próximos a ele para se relacionar com a história de Joe. Assim, a música que ele escuta inspira a narradora a contar sobre três amantes que foram particularmente marcantes, e uma menção a Edgar Allan Poe dá origem a um belo capítulo em preto e branco, uma decisão acertada devido ao tom bastante diferente desta parte da história. Há até mesmo alguns metacomentários sobre a natureza da contação de histórias, como quando um acontecimento narrado pela protagonista parece forçado demais e, quando questionada sobre a veracidade de sua história, ela comenta que a satisfação do ouvinte será muito maior se ele simplesmente aceitar o que ela disse. Este acontecimento também deve ser destacado, portanto, por introduzir a ideia de que é possível que Joe não seja uma narradora confiável. Afinal, mesmo a total falta de erotismo das cenas de sexo são reflexo de sua própria visão do ato desde a adolescência – sua primeira vez é reduzida a uma equação matemática.

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Ainda há, é claro, as frequentes comparações da jornada de Joe à pescaria com mosca, que rende também algumas belas imagens que ilustram as explicações do senhor. Mesmo assim, a insistência em mostrar cada simbolismo, cada momento narrado, é um dos maiores erros de von Trier. Funcionando em alguns momentos, como quando Joe compara um de seus amantes a um felino, mas, mesmo diante a beleza dessas imagens, cansando depois de algum tempo, chegando até a inserções completamente descartáveis, como a do aeroplano, quando Seligman pergunta “Se você tem asas, por que não voar?”. Melhores são as que não precisam ser esmiuçadas pela narração, como Joe e suas amigas transformando o sexo sem amor quase em um ato religioso e exclamando “Mea vulva, mea maxima vulva”, ou um pesado – e, esteticamente, belíssimo – momento em que as pernas da protagonista emolduram o rosto de seu pai.

Não dá para ignorar que acompanhamos a trajetória de Joe apenas pela metade. Os vislumbres do segundo volume indicam que a intensidade – e o desespero de Joe – aumentam na conclusão da obra. Em março, então, descobriremos como aquela mulher chegou à situação em que a encontramos, e os efeitos (se houve algum) de seu encontro com Seligman. Enquanto isso, o primeiro volume de Ninfomaníaca nos apresenta a uma protagonista complexa, e é um trabalho interessante e digno do talento do cineasta dinamarquês.


Nymphomaniac, escrito e dirigido por Lars von Trier, com Charlotte Gainsbourg, Stacy Martin, Stellan Skarsgård, Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman e Sophie Kennedy Clark.


Trailer do filme Ninfomaníaca – Parte 1

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