Mentes Sombrias Filme

Mentes Sombrias | Só mais uma historinha de amor que perde a oportunidade de ser relevante


[dropcap]E[/dropcap]nquanto no mundo “real” crianças são separadas de seus pais na fronteira entre o México e os Estados Unidos, sendo então colocadas em ambientes inóspitos e sofrendo traumas que durarão a vida inteira, os personagens de Mentes Sombrias, apesar de estarem em condições bastante similares, têm preocupações mais importantes – será que Ruby e Liam vão ficar juntos no final?

O livro homônimo em que Mentes Sombrias se baseia, publicado por Alexandra Bracken em 2012, não poderia ter chegado às telonas em um momento mais apropriado. Entretanto, como muitas outras obras que desperdiçam suas premissas fantasiosas com conflitos bobos, esta ficção científica distópica não consegue realmente conectar-se às alegorias que apresenta, fazendo com que surja absurdamente irrelevante mesmo que vários de seus pontos estejam nas manchetes atuais.

Entretanto, não há realmente uma tentativa para que isso aconteça, já que o roteirista Chad Hodge e a diretora Jennifer Yuh Nelson (fazendo sua estreia no cinema live-action depois de comandar Kung Fu Panda 2 e 3) limitam-se a frases expositivas como “Nós não separamos por cor aqui” em vez de deixar o filme falar por si mesmo.

E qual é o contexto de tudo isso? Nos Estados Unidos (a situação em outros países jamais é mencionada – eles estão passando pela mesma coisa? Se não, como reagem – ou não reagem?), 98% das crianças morreram após serem acometidas por uma misteriosa e fatal doença. Os sobreviventes, então, desenvolvem poderes que podem ser convenientemente divididos em cinco categorias, de acordo com a cor que brilha nos olhos dos jovens quando eles usam suas habilidades.

Ainda mais convenientemente, essas cores encaixam-se em uma escala de perigo facilmente compreendida: os Verdes têm uma inteligência aguçada e são os menos perigosos; os Azuis são telecinéticos; os Amarelos conseguem manipular eletricidade. Duas cores são consideradas extremamente perigosas: os Laranjas, que podem controlar a mente das pessoas, e os Vermelhos, com poderes tão cruéis que o filme reserva-os para uma revelação (óbvia e anticlimática) no terceiro ato. Ninguém pensou no fato de que os Laranjas deveriam ser os mais perigosos, já que poderiam simplesmente manipular os Vermelhos a não usarem seus poderes. Mas esse é apenas um exemplo das inúmeras coisas que Mentes Sombrias jamais considera.

A protagonista, Ruby (Amandla Stenberg), é uma Laranja que, na infância, acidentalmente apaga as lembranças dela mesma das mentes de seus pais, que alertam as autoridades para a presença dela. A garota é levada para um dos campos de confinamento estabelecidos pelo governo, onde essas crianças – vistas como uma ameaça – são separadas de acordo com seus poderes. Ruby ingenuamente acredita que pode proteger-se ao fingir que é uma das Verdes. A ideia é estúpida porque ela não apenas é descoberta, é claro (o que até demora tempo demais, considerando que ela jamais exibe qualquer outro poder), mas ela ainda é inocente o bastante para acreditar ser a única Laranja que tentaria utilizar seus poderes para ser considerada menos perigosa (o filme reconhece isso em sua conclusão, depois de passar duas horas estabelecendo a ideia de Ruby como esperta e eficiente). Além disso, apesar de diversos personagens declararem que Laranjas devem ser exterminados na hora, o primeiro que encontramos apenas leva umas porradas dos policiais; já Ruby, depois de ser descoberta aos 16 anos, tem horas para planejar sua fuga enquanto funcionários do campo de confinamento andam para lá e para cá com uma ficha que declara que ela é uma Laranja.

O escape é organizado por uma médica (Mandy Moore) que faz parte de um grupo para auxiliar as crianças superpoderosas. Mas Ruby não sabe se pode ou não confiar nela e, por isso, foge novamente e junta-se aos jovens Liam (Harris Dickinson), Charles (Skylan Brooks) e a pequena Zu (Miya Cech) e, ao lado deles, parte em busca do último refúgio para as crianças habilidosas. O caminho até lá, apesar de repleto de perigos, desenrola-se sem qualquer tensão nas mãos de Nelson e Hodge; o grupo jamais parece ser afetado por suas experiências, sejam aquelas que acompanhamos ou as que eles tiveram ao longo de anos nos campos de concentração.

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Com isso, os momentos de descontração, que deveriam ser um respiro, um alívio, também são prejudicados, pois perdem sua razão de existir. Liam é um Azul e Zu é uma Amarela, mas ninguém precisaria ser um Verde como Charles para perceber que há algo de errado no tal refúgio; eventualmente, é claro, tudo vai pelos ares em uma série de reviravoltas que não surpreendem – não tanto por serem óbvias, mas por estarmos diante de um universo mal construído e, portanto, que não apresenta as informações necessárias para que possamos nos surpreender com alguma coisa. Diante de personagens como a de Mandy Moore ou o presidente vivido por Bradley Whitford, a impressão é de que cenas importantes ficaram no chão da sala de edição.

Em meio a ecos de X-Men e Jogos Vorazes e referências forçadas a Harry Potter (e a diversas outras franquias das quais a autora – e, consequentemente, os cineastas – copiam sem jamais chegar perto do que as fez especiais), Nelson ainda demonstra um senso nulo de linguagem ou de mise-en-scène. Com isso, somos sujeitados a sequências de “ação” mal construídas que apenas diminuem ainda mais o dinamismo do filme, como uma perseguição de carro ou o duelo entre Ruby e seu antagonista, outro Laranja. Afinal, no centro de tudo isso, está aquilo que realmente recebe a atenção da produção: o romance entre Ruby e Liam.

Para tentar gerar um pouco de conflito entre os dois – ele gosta dela; ela gosta dele; como impedir que eles fiquem juntos de cara?? –, Nelson utiliza o velho truque de que eles não podem se tocar, senão tal coisa perigosa pode acontecer. Diante de tudo isso (e que deveria ter algum peso, mesmo não tendo), e apesar de Steberg e Dickinson serem carismáticos, é difícil realmente se importar com a conclusão dessa história. Na pele de Charles, Skylan Brooks destaca-se entre o elenco jovem, acertando nos diálogos desenhados para servirem de alívio cômico e expressando bem a inteligência aguçada do personagem – ele certamente não precisava do brilho verde que aparece em seus olhos toda vez que ele… bem… usa seu cérebro.

Bebendo da fonte de inúmeras outras distopias mais competentes, Mentes Sombrias jamais consegue trazer peso para suas alegorias ou para imagens como a de Ruby orgulhosamente pintando seu rosto de laranja e erguendo sua palma, pintada do mesmo tom, diante de uma multidão que, por sua vez, estampa suas respectivas cores. Especialmente considerando o quanto a história poderia ecoar em nossa própria realidade, o que temos aqui é uma produção interessada na estética e nos conflitos da ficção científica sem realmente explorar o que eles significam. O resultado é que mesmo as tentativas mais despretensiosas da obra falham.


“The Darkest Minds” (EUA, 2018), escrito por Chad Hodge a partir do livro de Alexandra Bracken, dirigido por Jennifer Yuh Nelson, com Amandla Stenberg, Harris Dickinson, Skylan Brooks, Miya Cech, Patrick Gibson, Mandy Moore, Bradley Whitford, Golden Brooks, Gwendoline Christie e Wade Williams.


Trailer – Mentes Sombrias

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