Meia Noite em Paris

por Vinicius Carlos Vieira em 19 de Junho de 2011

Meia Noite em ParisWoody Allen é um cara apaixonado. Por seus filmes, por suas mulheres, pelas cidades em que passa e, mais que tudo, pelo cinema, só isso explica o quanto Meia Noite em Paris é deliciosamente apaixonante.

E talvez seja essa mesma paixão que mova o cineasta novaiorquino a começar seu novo filme deslumbrado pelas belezas da capital francesa, trocando o fundo preto e os créditos iniciais por um verdadeiro tour pela Cidade Luz, como se tivesse a necessidade se redimir da injustiça de não conseguir mostrar tudo aquilo durante seu filme. Ou simplesmente para convidar seu espectador a se apaixonar por aquela cidade como ele parece ter se apaixonado e, consequentemente, seu protagonista.

A bola da vez agora de interpretar a “persona” de Allen é responsabilidade de Owen Wilson, que vive Gil, um roteirista de Hollywood que vai à Paris com a noiva e os sogros e acaba descobrindo uma nova cidade depois das badaladas do início da madrugada. Na verdade, é esse casal que prefere apresentar durante os créditos inicial invés de seu jazz tradicional. Ele romântico, tentando escapar do marasmo artístico dos roteiros descartáveis e escrever seu primeiro romance, inspirado por tudo que Paris representa (e representou), enquanto ela, vivida por Rachel McAdams, prefere não enxergar nada disso, sem conseguir entender qual a obsessão do marido por aquelas cidade (e chuva).

Meia Noite em Paris é então uma história de amor, entre Gil, Allen (e o espectador) e Paris, talvez no sentido figurado, o mais provavelmente não, já que o diretor não se esconde por trás de nenhum simbolismo ou metáfora para levar seu personagem em uma viagem no tempo de volta à Idade de Ouro dessa cidade, durante a década de 20, cheia de escritores, artistas e personalidade que, não sem exagero, deram o ponta-pé inicial para muito do que hoje existe em termos de arte.

Allen então convida seu espectador a participar dessa deliciosa viagem pela boemia da Cidade Luz na companhia dessa grande salada de personagens mais famosos e verdadeiras homenagens que dão uma vida enorme a seu filme e parecem dar as caras como um enorme playground de referências. É impossível não saborear cada linha de diálogo entre Gil e um Ernest Hemingway (Carey Stoll, que na TV é um dos protagonistas da série Lei e Ordem LA) com cara de bêbado suicida, pessimista, galanteador, tétrico e obcecado por sua espingarda de caça.

E Meia Noite em Paris não se esconde porá trás de um lado “pseudo-intelectual”, que nesse caso é irritantemente representado pelo personagem de Michael Sheen (sempre ótimo), amigo de faculdade da noiva de Gil e aparentemente capaz de ser expert em todo e qualquer assunto que exista no mundo. Na realidade Sheen é talvez a mola central dessa artimanha de Allen para criar mais ainda esse protagonista simpático, já que todos a sua volta, aos poucos, se tornam insuportáveis, vazios e céticos, incapazes de viver essas experiências (e se deixarem vivê-las).

É lógico que Allen faz disso um instrumento, uma arma até, contra todos que ainda dão mais valor a uma enciclopédia do que a vontade de viver essas novas experiências. Mais ainda, reafirmando esse “tour mundial” que vem fazendo, saindo de seu habitat em Manhattan, para que seu cinema experimente novos ares, da misteriosa Londres em “Match-Point”, da “caliente” Espanha em “Vicky Christina Barcelona” e agora de toda poesia de Paris.

Assim como seu protagonista (ou o contrário) Allen parece à procura de viver essas experiências e não falar sobre elas como se tivesse lido em um livro, e isso é imprescindível para que “Meia Noite em Paris” seja essa experiência tão apaixonante, já que é fácil se sentir como um companheiro de viagem do diretor nessa viagem.

Mas Allen não se perde nessa paixão, Meia Noite em Paris ainda é, sobretudo, um “filme de Woody Allen”, com um protagonista frágil, pragmáticos, preso em um mundo que parece não aceitá-lo, mas sem medo de deixar suas opiniões ácidas vazarem por esses grandes planos de diálogos. Assim como permite que ele viva essa história de amor fora de época com uma espécie de “musa inspiradora” (a linda Marion Cotillard) de um trio de pintores (Modigliani, Braque e Picasso) com os quais foi amante.Meia Noite em Paris

Por outro lado, essa “viagem no tempo” dá ainda a chance de Allen zombar da cadeira de vinte mil dólares no presente, ao mesmo tempo em que se permite ver um quadro de Matisse sendo vendido por quinhentos francos, esse tipo único de ironia que sempre se perpetua pela filmografia do diretor e acaba sendo uma verdadeira válvula de escape para que ele possa remexer em mais um monte de assuntos pertinentes. Ou você não percebeu que a família da noiva vai, em plena Paris, ver uma comédia descartável de Hollywood, cujos nomes dos atores nem ao menos são lembrados. E talvez seja isso que Allen mais tenta em sua carreira: mostrar que nem tudo precisa ser descartável para fazer sucesso e ser popular.

Infelizmente, uma discussão que Allen talvez perda, já que na maioria das vezes seus filmes ainda acabem caminhando apenas na borda desse sucesso, o que talvez o faça se sentir como seu personagem na divertida conversa com o trio formado por Man Ray, Salvador Dali (um Adrian Brody incrivelmente interessante, como todo resto do elenco) e Luis Buñuel (que depois, em outro momento, ainda ganha “de brinde” o ponto de partida para seu Anjo Exterminador, mesmo sem entender “por que eles não conseguem sair daquele lugar!”), onde a verdade acaba se perdendo de modo surrealista entre significados existências e rinocerontes. Como se mesmo tentando mostrar o que fazer, sempre alguém acabe “lendo demais” algo que é só feito para ser sentido.

É então que se percebe que Meia Noite em Paris não quer ser simbólico, metafórico, surrealista ou cheio de leituras (como eu já citei), mas sim só contar essa história, juntar esses personagens nessa história de amor e, no final das contas, ter a certeza de que o presente sempre parece insuficiente para quem não tem limites para sonhar e às vezes perceber que a única coisa necessária é esse momento de chuva sobre Paris que (realmente) acaba deixando-a muito mais bonita. E essa impressão, só consegue ser passada realmente por um gênio como Woody Allen que, decididamente, é um cara apaixonado, mais que qualquer coisa, pelo cinema.

Confira o trailer do filme Meia Noite em Paris


Midnight in Paris (Esp/EUA, 2011), escrito e dirigido por Woody Allen, com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cottilard, Kurt Fuller, Mimi Kennedy, Michael Sheen, Nina Ariana, Carla Bruni, Corey Stoll, Kathy Bates e Adrien Brody .


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25 Comentários. Deixe novo

  • Ney Rocha
    30/04/2012 19:59

    Ney Rocha – Beleza de filme, uma viagem no tempo pela bela Paris, pela arte, pela vida, pelos sonhos e realidades, pela essência da existência humana. Simples, inteligente, encantador, envolvente. A bela fotografia enriquecendo ainda mais as belezas de Paris. Woody Allen cada vez melhor. Elenco perfeito. Lindas e apropriadas músicas. DEMAIS!

  • michelaine
    12/03/2012 18:13

    esse filme é espetacular só quem não tem cultura não gostou… adorei queria ser o GIL o homem sortudo esse!! beijos galera

  • Desculpa, Daivid.
    Mas se você for então lembrar das artes como a do Leonardo da Vinci ou outras de outros, como alguns questionaram que o filme não é, poderemos dizer que não é arte?

    Já que todos que amam ou só apreciam as artes não sabem ainda se tal criação detêm o signifcado que o criador deixou para as pessoas.

    Por acaso alguém aqui acha que certas artes fora desvelados por completo o seu verdadeiro significado?

    Só quem não entendeu este filme, não ama ou aprecia a arte por completa, só acha que sabem.

    Sem falar que também podermos dizer que a pessoa não compreendeu o verdadeiro sentido desta “arte”, que é o filme, já que muitos desses adoradores não gostam de certas criações. Aí que dizemos que o filme não foi bom para estas pessoas.

    Fato este que nem nós entendemos a arte por completo – todos nós somos até uma arte por assim dizer – Complexidade em número e grau.
    ___________________

  • Os fans intelectuais a parte o meu respeito, mas vai aqui um comentário de um expectador comum, como a grande maioria dos expectadores Brasileiros.
    O filme tem sim uma belíssima trilha sonora, é poético e apaixonante, mas apesar de a ideia ser muito boa o todo não ficou bom, existe uma grande promoção de Paris, e Paris não precisa ser provida pois é suficientemente perfeita para se promover só, e Woody Allen ainda deixou a desejar na principal parte do filme, o final, sempre se espera um fechamento perfeito para uma bela obra, com todas as respostas, e foi oque faltou, teve inicio meio e faltou o fim, se fosse uma redação ja estaria reprovado, sorte que o nome o acalenta neste momento.

  • Vinicius Carlos Vieira
    31/12/2011 14:42

    é verdade bem fraquinha mesmo, o cara só fica dando a opinião dele…

  • fraquinha essa resenha… nao tem referencias..

  • Daniel Valhacouto
    28/12/2011 0:50

    Woody Allen o ex – Dorminhoco (Sleeper) 1973, conseguiu a trazer aos olhos do expectador, a beleza da cidade luz. Paris ficou mais linda do que nunca em seus detalhes. Lugares outrora vistos em outros filmes ficaram mais nitidos, além da retratação de personagens históricos mesclados com a realidade deram um charme especial a estória.

  • O FILME É ESPETACULAR ,EXTRAORDINÁRIO!!! ESSA MICHELLE É UMA BESTA, E ESSE RAUL, UMA OUTRA!!!

  • Dâmaso Salcede
    12/12/2011 20:26

    Sem os cacoetes que o fizeram ser o queridinho da classe média subdesenvolvida, Woody Allen realiza um filme poético, mágico, que nos conduz a um momento de verdadeira epifania. Sim, pois a cada passagem do filme, o arrebatamento acontece. No melhor sentido! E a música…extraordinária, de um bom gosto…aliás, marca registrada dos filmes desse cineasta por vezes tão mal compreendido, e supostamente amado! Peguem qualquer filme de Woody Allen e observem a trilha sonora… sempre, sempre, de primeira.

  • Eh um cu esse filme

  • Srs.

    O Filme é uma chatice, apenas pq Woody Allen escreveu é um maximo… se fosse exatamente o mesmo filme assinado por Madonna seria um Lixo… ou outro qualquer pseudo-diretor de filme

    O filme é cansativo, e a utilização de personagens famosos e intelectuais para apanhar carona no sucesso de quem ja se foi é ridiculo… a persogem principal é massante, chato, o fato de viajar no “tempo” para Woody Allen na versão e já na idade é algo SURREAL mas para quem vê é chato… misturar de volta para o futuro + paris + intelectuais nao deu muito certo….
    O fato de ter personagens intelectuais não quer dizer que o filme seja bom e que tenha conteudo como alguem acima disse…. que quem nao gostou do filme nao ama a arte… bem, a arte não era o foco do filme… apenas uma muleta para tentar aparar a chatice que W.allen criou… pois nao houve nehum conteudo literario… e nenhum desenvolvimento da obra de cada um dos envolvidos….
    valeu apenas pelas cenas de paris no inicio do filme

    enfim, para quem gosta de romance barato de prateleira de banca para dona de casa é um prato cheio.

  • Vinicius Carlos Vieira
    10/09/2011 9:58

    Muito obrigado pelos elogios Mônica, sobre um texto para os “apressados” eu recomendo que eles me perguntem pelo twitter @cinemaqui ou @vinicvieira, ficarei mais que contente de poder escrever essas “pílulas” de críticas para quem quiser uma opinião mais imediata… fico esperando então voces pelo twitter.

  • Faz um tempão q assisti este filme, e como estava procurando críticas de Age of heroes…me dei de cara com este site….Muito bom por sinal…..Mas, Vinícius vou dar uma idéia ….Quem sabe tu faça um texto extra (para os normalmente apressados nesta vida de Deus)… de 6 linhas ..iria facilitar muito e aumentar muito o público.

    Mas enfim…Eu me apaixonei pelo Woody Allen, este filme como sempre (vários filmes dele…..) me deixam totalmente ligada e ansiosa pela cena seguinte…(O que acontecerá depois?) Enfim ele é um gênio e faz Paris voar na minha imaginação…Enfim..Meu sonho é q o Woody, faça um filme no Brasil ( de preferencia não no Rio…Mas no sul tchê….)..Sonho é sonho, né…..

  • Fabiano…também fiquei impressionada com o trecho sobre o amor. Encontrei em inglês…”I believe that love that is true and real creates a respite from death. All cowardice comes from not loving or not loving well, which is the same thing. And when the man who is brave and true looks death squarely in the face […], it is because they love with sufficient passion to push death out of their minds. Until it returns, as it does, to all men. And then you must make really good love again.~Corey Stoll as Ernest Hemingway in Midnight in Paris.

  • Maravilhoso. Um filme leve e despretensioso, onde Allen, de forma muito bem-humorada, nos conduz pela Paris dos anos 20, onde gênios como Picasso, Hemingway, Dalí, Scot Fitzgerald e Cole Porter pareciam brotar do solo. O amor, a vida, o tempo, a insatisfação do ser humano, a arte, tudo isso é discutido pelo cineasta, sem pompas ou pedantismo. Um pequeno grande filme, emocionante e que nos faz sair do cinema com a impressão de que o fardo da vida é menos pesado. E a trilha sonora é sensacional!

  • E a grande lição: O simples, sempre. Não o simplório ( cadeiras caras, filmes descartáveis, frivolidades, etc, etc…)

  • Olá pessoal, gostei dos comentários, o filme é fantástico na minha opinião. Como alguém disse: ” If a man is tired of London, he is tired of life” Paris não fica distante desta frase… E só não gostou deste filme quem não ama a arte, a poesia, e o prazer de ler um bom livro…na minha opinião. Porém senti que o final foi meio ensosso…Gostaria que comentassem a cerca. E um outro pormenor, é a beleza do Rio de Janeiro, que descobri que filme, mil traços de Paris na cidade maravilhosa… e olha que falo como estrangeiro. Abraços

  • Desculpem-me os ardorosos fans de W. Allen, ma oO filme só vale pelas belas paisagens de Paris e pela excelente música. O resto é muito chato e monótono.

  • Tania Mara
    14/07/2011 22:13

    A partir desse filme, verei Paris com outros olhos.

  • Este filme é a música que eu gostaria de ter composto… Confesso que chorei… Woody (e principais personagens do filme) nega a morte, ou morre para viver no passado, e fiquei maravilhada com a possiiblidade de caminhar por Paris. (para quem quer passear por Paris, recomendo: http://www.youtube.com/watch?v=gWVde1pWl24.

  • Woody Allen, é sem dúvida um genio do cinema!!! O filme é apaixonante… E de uma sutileza inimaginável…..

    ….

  • Vinicius Carlos Vieira
    30/06/2011 12:31

    Margarete, muito obrigado pelo elogios, e como sou de Santos também, posso falar que Santos na chuva é um lugar muito charmoso, talvez não tanto quanto Paris, mas ainda assim merece ser levado em conta (já que chove demais… risos)… espero que você volte sempre e comente sempre…

  • Margarete
    30/06/2011 11:53

    Vinícius
    Pela primeira vez eu me identifiquei com as palavras de um antigo namorado que estava a serviço em Paris e me disse ao telefone: “Paris é você”.
    Será que o Allen vai ficar cada vez melhor? Tomara.
    Agora, você não deixou nada a acrescentar em seu comentário. Parabéns. Veio de encontro a minha fala. Vou acompanhar o seu trabalho.
    Nunca vi Paris com esses olhos e agora fiquei encantada. Nunca é tarde.
    Enquanto essa viagem não chega continuarei caminhando na chuva aqui em Santos mesmo, como é meu costume. Coisa de pessoas apaixonadas como você encerra essa seção. Eu, antes de qualquer coisa, pela vida.
    Abraços,
    continue com essa sensibilidade.
    Maggie

  • Vinicius Carlos Vieira
    21/06/2011 12:02

    Fabiano…. vou achar e te mando ou coloco por aqui….

  • Olá Vinícius, amigo acabei de assistir esse filme e fiquei sim fascinado pelos diálogo entre Gil e Ernest Hemingway, especialmente no momento em que Hemingway o questiona sobre o Amor. Procurei pela net mas nao consegui encontrar as palavras desse diálogo, pode me ajudar a caso se recorde ou encontre esse texto para todos nós?

    Att, Fabiano.

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